Debates
18 de setembro de 2024

Perspectivas do investimento privado em saneamento básico: o que fazer para acelerar o ritmo?

Recebemos Diogo Mac Cord, sócio-líder de Infraestrutura e Mercados Regulados da EY para a América Latina; Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Governo do Estado de São Paulo; e Veronica Sánchez, diretora-presidente da ANA.

Desde a entrada em vigor do Marco Legal do Saneamento Básico, em julho de 2020, a participação da iniciativa privada no setor aumentou de cerca de 5% para 22%, mas ainda há muitos desafios para que o país alcance a meta de universalização dos serviços de água tratada e de esgotamento sanitário até 2033, entre eles a proliferação de entidades reguladoras a nível municipal, intermunicipal e estadual. Atualmente há 103 entidades reguladoras no setor do saneamento básico no país, com grande disparidade de capacidade técnica entre elas. 

“As pessoas me perguntam se vamos conseguir atingir as metas estabelecidas — até 2033, 99% da população brasileira deverá ter acesso à água tratada, e 90% à coleta e tratamento do esgoto — e sempre respondo que, se não tivéssemos estabelecido uma meta clara e objetiva, não teríamos um propósito a ser perseguido, um norte. Estaríamos à mercê da discricionariedade de cada estado, município ou projeto de regionalização”, disse Veronica Sánchez, diretora-presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que desde 2020 passou a ter a atribuição de editar normas de referência para o setor.

“O que temos feito na ANA? O marco entende que há uma dispersão regulatória e atribui à agência federal a definição de diretrizes gerais e parâmetros para a regulação e a fiscalização dos serviços de saneamento básico. Mas, como não temos dentes para obrigar os municípios e estados a seguir nossas regras, buscamos cumprir nosso papel por meio do diálogo e da cooperação. Promovemos encontros com as entidades reguladoras, cursos de capacitação, divulgamos manuais de aplicação de normas, enfim tudo o que podemos fazer para que cada agência conheça as normas e possa adaptá-las à sua realidade”, disse Sánchez, neste debate realizado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso.

Segundo a diretora, a ANA também tem feito parcerias com os Tribunais de Contas, os Ministérios Públicos e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para explicar qual é o papel da União, dos estados, dos municípios e das empresas de saneamento, sejam elas públicas ou privadas. “Nós, na ANA, não podemos exigir do prefeito ou governador que atuem para cumprir as metas, mas o MP, sim, tem papel fundamental de exigir a adequada prestação dos serviços”, explicou.

Para Sánchez, houve uma proliferação de entidades reguladoras, mas a tendência é que esse número se reduza ao longo do tempo e haja uma consolidação em torno de um número menor de agências mais robustas e capazes.

Veronica Sánchez, diretora-presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, em debate na Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

Quem não cumprir metas deve ter contrato cancelado

“A titularidade do serviço de saneamento básico é dos municípios, mas eles dependem de verbas federais, ainda que via empréstimos do BNDES, para investir. Para ter acesso a recursos federais, deveria ser obrigatório cumprir as regras da ANA, simples assim”, disse Diogo Mac Cord, sócio-líder de Infraestrutura e Mercados Regulados da EY para a América Latina Sul.

Segundo Mac Cord, que foi secretário nacional de Desenvolvimento de Infraestrutura (2019-2020) e secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados (2020-2022), o desenho do Marco Legal do Saneamento previa três ondas de investimentos. “A primeira onda aconteceu quando foi retirada a proibição de privatizar os serviços de saneamento e houve, então, um movimento voluntário nessa direção, em Alagoas, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, por exemplo. A segunda onda se baseou em um teste da capacidade econômico-financeira das empresas para universalizar esses serviços. Se não comprovasse, perdia o contrato e deixava alguém entrar no seu lugar. A terceira onda é a que vamos enfrentar a partir de agora, pois o marco define que, em cinco anos, quem não estiver no rumo de atingir as metas deve ter o contrato cancelado. O desenho do marco foi feito para que prefeitos e governadores tenham as ferramentas necessárias para atingir as metas e, se não atingirem, está claro de quem é a culpa”, disse.

“Digo para as entidades reguladoras, sejam elas municipais, regionais ou estaduais, que observem essa janela de cinco anos e cancelem o contrato das empresas que não estão atuando de maneira firme para cumprir as metas de universalização. Não tenham medo, não é um bicho de sete cabeças. Quem não cumpriu o que diz o marco não teve pena do cidadão e deve perder o contrato”, continuou.

Diogo Mac Cord, Natália Resende e Veronica Sánchez em debate na Fundação FHC –
Foto: Vinicius Doti

Integração dos recursos hídricos a nível regional é outro grande desafio

A recente privatização da Sabesp, concluída em 23 de julho de 2024, revelou a necessidade de integrar os serviços hídricos de diversas cidades na mesma região, pois, se um município fica isolado, dificilmente vai conseguir atingir os objetivos de universalização.

“São Paulo tem 645 municípios, sendo que 375 deles eram atendidos pela Sabesp. Propusemos que, voluntariamente, aderissem a um único contrato com prazo até 2060, mais robusto, com melhor gestão e maior sustentabilidade ambiental, social e econômico-financeira. Trezentos e setenta e um concordaram e estão no caminho para a universalização em 2029, uma meta mais ambiciosa do que a do marco”, disse Natália Resende, secretária do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Governo de São Paulo. A Sabesp privatizada, que será administrada pela Equatorial Participações, se comprometeu a realizar investimentos de R$ 69 bilhões até 2029 e R$ 260 bilhões até 2060.

Para os cerca de 270 municípios paulistas que operam serviços próprios de saneamento básico, o governo criou em junho o programa Universaliza SP, que visa oferecer apoio técnico às prefeituras para a estruturação de projetos de expansão, promover a regionalização e ajudar na modelagem de concessões à iniciativa privada. Até o final de setembro, 109 cidades aderiram ao novo programa.

“A regionalização é muito importante, assim como a discussão sobre governança é essencial. Se não estruturarmos bem essas premissas, não chegaremos à universalização. É preciso olhar todo o território, integrar, atrair a iniciativa privada, explorar todas as tecnologias e possibilidades”, disse Resende.

Debate “Perspectivas do investimento privado em saneamento básico: o que fazer para acelerar o ritmo?” na Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

Segundo a secretária, os municípios que têm mais sofrido com a seca em São Paulo são aqueles que não têm a redundância e a resiliência de uma estrutura compartilhada. “Se o município ficar isolado, não vai conseguir atingir a meta de universalização”, disse.  

“A escassez hídrica é uma realidade em todo o país. Por isso, é fundamental criar estruturas mais eficientes e resilientes para termos capacidade de lidar com um triplo desafio: o aumento da demanda de água tratada em até 35% devido à universalização, o uso racional do recurso em um contexto de redução da disponibilidade hídrica e a diminuição das perdas, que ainda são de cerca de 40%”, disse Sánchez.

Mac Cord alertou para a necessidade de mais investimentos na produção de água tratada. “Com a universalização, tende a haver crescimento do consumo. Se a estatal responsável por coletar e tratar água não realizar os investimentos de que precisa, vai faltar água na torneira. E o consumidor vai culpar a empresa privada responsável por entregar a água em sua casa”, disse.

Segundo Sánchez, no processo de privatização da Sabesp, 30% dos R$ 14,7 bilhões arrecadados com a venda de 32% das ações da companhia e 100% dos futuros dividendos das que ainda permanecem com o Estado de São Paulo (18,3% do total) serão destinados a um fundo para garantir que a tarifa da Sabesp privatizada permaneça abaixo da tarifa praticada antes da privatização.

“O objetivo é que o usuário participe do lucro do estado e que esse lucro volte para a tarifa e retroalimente os investimentos em saneamento básico no estado, dando maior previsibilidade e segurança jurídica ao contrato”, explicou a secretária.

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

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