Debates
27 de junho de 2024

Nacionalismo e Democracia na Europa e no Brasil

Como entender o ressurgimento do nacionalismo autoritário? Que desafios ele coloca para a democracia? Estas foram algumas das questões discutidas neste webinar, que marcou o lançamento da nova publicação da Plataforma Democrática.

“O nacionalismo é um tema pouco integrado à tradição das ciências sociais, que enfatiza a desigualdade socioeconômica, a distribuição de poder desigual e trata o nacionalismo como uma mistificação. Mas a nação é uma realidade efetiva que afeta a vida das pessoas. O fato de viver em um país implica em direitos, obrigações, problemas e desafios comuns. Não se deve desconsiderar a importância do nacionalismo na narrativa política”, alertou o sociólogo Bernardo Sorj, organizador do livro digital “Nacionalismo e Democracia na Europa e no Brasil”, no webinar de lançamento da publicação pela Plataforma Democrática, uma iniciativa da Fundação FHC e do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.

Segundo Sorj, tanto a extrema direita como a extrema esquerda fazem uso do nacionalismo para tentar excluir “os outros como não sendo parte da nação verdadeira e não ter direito de participar do jogo democrático”, mas existe uma “perspectiva nacionalista democrática”, que “depende de capacidade de prometer e construir um futuro melhor”. “A falta de perspectiva dá lugar a uma idealização do passado, no qual se enraíza o discurso nacionalista reacionário conservador”, disse o professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O livro, disponível gratuitamente, traz seis artigos originais que abordam como o recrudescimento do nacionalismo está sendo enfrentado ou promovido na Europa e no Brasil pela esquerda e pela direita tradicionais, bem como pelas organizações da sociedade civil. Danilo Martuccelli, Daphne Halikiopoulou, Michel Wieviorka, Maria Celina D’Araujo, Daniel Aarão Reis e Bernardo Sorj assinam os textos e exploram caminhos possíveis para um nacionalismo respeitoso dos valores democráticos.

Como entender o ressurgimento do nacionalismo autoritário? Que desafios ele coloca para a democracia? Que respostas as forças democráticas de esquerda e direita podem dar às questões que o nacionalismo autoritário mobiliza? Estas foram algumas perguntas que o webinar propôs aos convidados. Além dos autores Bernardo Sorj, da cientista política Maria Celina D’Araújo (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio) e do historiador Daniel Reis (Universidade Federal Fluminense – UFF), participou da conversa a socióloga e historiadora Maria Alice Rezende de Carvalho (PUC-Rio).

Após perder relevância, questão nacional retorna com extrema direita

“No meu artigo, busquei trabalhar simultaneamente as esquerdas e as direitas porque falar de uma coisa sem falar da outra não traria as melhores perspectivas. Na primeira parte, procurei caracterizar as grandes tradições da questão nacional e dos nacionalismos no mundo e no Brasil durante processos históricos como as Revoluções Americana e Francesa e as lutas pela independência na América Latina e no Brasil, entre outros. Depois, busquei analisar como se comportaram as esquerdas e as direitas face à invenção do Brasil  republicano (1889) e durante o século 20 até 1964. Em um terceiro momento do texto, analisei como esses grupos se comportaram durante a ditadura militar, a redemocratização e a Nova República (iniciada em 1985, com o fim do regime militar). E, finalmente, me propus a considerar alguns desafios atuais”, disse Daniel Reis.

“É interessante observar que a luta pela apropriação da bandeira e do hino nacional continua forte durante a campanha das Diretas Já (1984), mas após a conquista da democracia e, sobretudo após a Constituição de 1988, a questão nacional perde vitalidade. Nos últimos anos, houve uma tentativa da extrema direita de se apropriar desses símbolos nacionais, não mais combinados ao nacionalismo econômico, e sim a uma adesão a uma linha econômica liberal, o que é uma novidade. Para as esquerdas recuperarem um protagonismo que já foi seu, proponho que insistam na questão democrática em um viés internacionalista, recuperando as melhores tradições do socialismo democrático do século 19”, disse Reis.

Nacionalismo e estatismo se confundem no Brasil

“No Brasil, o nacionalismo tem sido confundido com estatismo econômico. Já nos anos 1920, ganha força a ideia de que cabe ao Estado organizar a sociedade, historicamente cindida, deficiente e incapaz de construir uma nação harmônica e vibrante. Acabou colando essa ideia de que é o Estado que vai organizar a sociedade. Então, nosso nacionalismo é mais estatismo do que nacionalismo”, disse Maria Celina D’Araújo.

Segundo a cientista política, os movimentos nacionais de direita que foram relevantes no século passado nunca tiveram um projeto nacional de educação que resultasse na formação de uma sociedade capaz de definir seu próprio futuro: “Como o Estado era o grande mentor do desenvolvimento, não se fazia necessário um projeto de educação eficiente para produzir uma sociedade com capacidade crítica. Assim, o Estado continuou atuando nas ausências da sociedade.”

“À medida que foram se fortalecendo na segunda metade do século 20, as esquerdas não se diferenciaram nesse aspecto e também assumiram um projeto nacionalista com capital nacional, mas sem maior participação da sociedade”, afirmou D’Araújo. 

Recentemente, a extrema direita representada por Jair Bolsonaro passou a criticar o estatismo e o nacionalismo econômico e, ao mesmo tempo, atacar a globalização como um instrumento para disseminar ideologias como a identidade de gênero, entre outras. Já a esquerda continua sob influência das forças estatistas e apegada a compromissos ideológicos que não são adequados ao momento que vivemos.

“Com o retorno de Lula à Presidência da República, depois dos anos Bolsonaro, esperava uma festa da democracia, com mais rupturas em relação ao passado e mais certezas em relação ao futuro. Mas isso ainda não aconteceu. Vejo o governo Lula 3 como um anticlímax, mais ou menos como ocorreu durante o governo Sarney (que assumiu o Palácio do Planalto em 1985, após a morte inesperada de Tancredo Neves). Mas ainda dou um voto de esperança ao atual governo”, concluiu.

É fato que a sociedade civil progressista que conhecíamos está em crise profunda e tem um peso muito pequeno no atual debate público, que foi transferido para o espaço virtual. Conseguirá ela se adaptar aos novos tempos? A resposta será dada pelas novas gerações.

Bernardo Sorj, sociólogo e diretor da Plataforma Democrática

Ainda somos todos súditos

Para Maria Alice Rezende de Carvalho, a única palestrante que não participou do livro, o Brasil ainda vive sob a influência do período do Império (1822-1889), quando o país, embora independente de Portugal, foi governado por dois imperadores da mesma dinastia portuguesa que governou durante o período colonial. “Ainda vivemos, em certa medida, sob a forma imperial do século 19. Não fomos educados em uma cultura republicana, não tivemos um liberalismo contratualista. No Brasil, o que nos une é o Estado quase imperial. Ainda somos todos súditos”, disse a historiadora. 

Segundo Carvalho, que também é socióloga, mesmo agora, com o surgimento de uma extrema direita que se diz nacionalista, não existe por parte dos eleitores brasileiros uma demanda precisa de nacionalismo: “A nação não é um valor demandado, o que vemos é um movimento de extrema direita que lembra o ludismo, uma reação irracional às mudanças do mundo e à dificuldade de participar das trasformações tecnológicas em curso. É um gesto de defesa daqueles que se sentem desconfortáveis entre um mundo que acabou e outro que ainda não começou.”

“O mundo está ‘acabando’, e Bernardo nos fala sobre a tarefa das ciências sociais de compreendê-lo e investigá-lo, mas como e onde repensar a política? Na universidade? Será que ela pode ser ressuscitada?, provocou.

“É fato que a sociedade civil progressista que conhecíamos está em crise profunda e tem um peso muito pequeno no atual debate público, que foi transferido para o espaço virtual. Conseguirá ela se adaptar aos novos tempos? A resposta será dada pelas novas gerações”, concluiu Sorj. 


Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.