A luta contra a ditadura de Nicolás Maduro, com María Corina Machado
Líder da oposição à ditadura de Maduro, María Corina foi proibida de ser candidata à Presidência. Ela cedeu seu lugar a Edmundo González Urrutia, o real vencedor das eleições presidenciais fraudadas pelo regime de Nicolás Maduro, em julho de 2024.
“Na Venezuela hoje, não se trata de uma disputa entre esquerda e direita, mas da defesa dos princípios fundamentais de uma república e das instituições democráticas. Lutamos não apenas pelo futuro da nossa democracia, mas pela democracia e pela estabilidade política de toda a América Latina”, disse a principal líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, neste webinar realizado pela Fundação FHC.
Após a fraude eleitoral de 28 de julho, o regime Maduro aprofundou ainda mais a repressão contra os opositores e a população em geral, com a prisão de mais de 2.000 pessoas, entre elas manifestantes que saíram às ruas para exigir que o resultado da última eleição presidencial, vencida pelo candidato único da oposição, Edmundo González, indicado por María Corina, fosse respeitado. Neste momento, há 1.224 pessoas presas sob acusação de terrorismo, manifestação ilegal e outros delitos, sem direito a defesa e a ver suas famílias.
Segundo a ex-deputada da Assembleia Nacional que se destacou pela atuação contra o regime chavista (inaugurado em 1999), com o colapso da economia venezuelana na última década, o regime Maduro depende do dinheiro proveniente de atividades ilícitas, como narcotráfico, crime organizado, contrabando de ouro e outros minerais explorados ilegalmente, sem qualquer preocupação ambiental.
“O país é hoje um santuário para máfias criminosas, que, aliadas ao ditador Maduro, querem impor uma paz banhada em sangue, por meio da violência e do terrorismo de Estado”, afirmou. Além disso, há vários anos o país é fonte de instabilidade nas Américas devido à emigração de cerca de 7 milhões de venezuelanos para outros países da região e do mundo devido à crise econômica, social e humanitária, à ausência total de perspectivas e à crescente repressão política. A população venezuelana total é de cerca de 28,5 milhões de pessoas.
“Imagine se o Brasil perdesse um quarto de sua população em poucos anos? Foi o que aconteceu na Venezuela, sobretudo desde 2015. É uma tragédia estimulada pelo regime com o objetivo de nos debilitar enquanto povo e nação. Além da hemorragia de talentos, capacidades, energia e juventude, esta emigração em massa separa famílias, avós não conhecem seus netos, filhos ficam anos sem ver os pais, irmãos crescem separados”, denunciou a fundadora e coordenadora do partido Vente.
Nicolás Maduro, que assumiu o poder em 2013 como vice-presidente do coronel Hugo Chávez, foi eleito naquele mesmo ano e reeleito em 2018. Nas últimas eleições, em 28 de julho de 2024, ele perdeu para uma frente de oposição, mas se mantém no poder devido ao controle de todas as instituições de Estado, incluindo as Forças Armadas, o Poder Judiciário e o Conselho Nacional Eleitoral, e a uma repressão brutal contra todos que ousam se opor ao regime.
Negada por Maduro, a fraude eleitoral foi provada pela oposição, que divulgou cópias de 85% das atas eleitorais, demonstrando a vitória de González, com quase 70% dos votos. Apesar dos reiterados pedidos de vários países, inclusive o Brasil, e organizações internacionais, o governo venezuelano se negou a divulgar as atas eleitorais. Em janeiro deste ano, Maduro tomou posse para seu terceiro mandato de seis anos à frente do país. O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, e o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, foram os únicos chefes de Estado presentes à posse.
‘Maduro se aferra ao poder, mas perdeu toda a legitimidade interna e externa’
Em outubro de 2023, María Corina venceu com mais de 90% dos votos as primárias destinadas a escolher um único candidato oposicionista, mas, bastante conhecida e respeitada, foi impedida de concorrer à Presidência da Venezuela pelo regime Maduro. Indicou a professora e filósofa Corina Yoris Villasana como sua substituta, também barrada. Por fim, escolheu Edmundo González, praticamente desconhecido da população até então. Mesmo assim, ele saiu vitorioso.
“O governo Maduro não acreditou na força da união da oposição e no desejo do povo pela volta da democracia. Nos subestimou e foi surpreendido”, disse. Segundo Corina, as eleições de 28 de julho não foram eleições comuns, mas a expressão de um movimento cidadão que desafiou o sistema e não vai desistir de enfrentar a tirania.
“Fizemos uma campanha absolutamente sem dinheiro, sem acesso aos meios de comunicação. Para viajar dentro do país, não pudemos utilizar aviões, fizemos todos os percursos por terra, em condições precárias. Se as eleições tivessem sido livres, e as condições justas, teríamos vencido com 90% dos votos. Que outro país tem hoje 90% da sua população unida e decidida a viver em liberdade?”
Já prevendo que Maduro fraudaria o resultado eleitoral, a oposição formou um “exército cidadão”, com mais de 1 milhão de pessoas, para monitorar o processo eleitoral e tirar cópias das atas eleitorais. “Em menos de 24 horas, apresentamos cópias de mais de 85% das atas e, assim, demonstramos nossa vitória”, disse.
“O que resta ao regime Maduro, além de reprimir brutalmente a população? Perdeu as pessoas, perdeu as ruas, perdeu toda a legitimidade interna e o apoio de uma aliança internacional que durante anos suportou o regime chavista (iniciado em 1999). O mundo inteiro sabe que Maduro roubou a sangue e fogo uma eleição em que foi derrotado de forma aplastante”, afirmou.
‘Governos democráticos devem exigir que a vitória do povo reconhecida’
Segundo María Corina, ainda não há sinais de que o regime Maduro tenha perdido o apoio dos militares e das forças de segurança, o que lhe possibilita se manter no poder pela força, mas a oposição continuará a lutar em algumas frentes:
- Consolidar uma grande aliança pela democracia – “Nós, venezuelanos, não estamos pensando apenas em como desalojar esta tirania do poder, mas em qual país queremos construir depois? Por isso, estamos formando uma grande aliança, com pessoas com ideias distintas, mas todas comprometidas com a democracia e a soberania popular expressa em 28 de julho. A cada dia recebemos novos apoios, inclusive de grupos e pessoas que não participaram diretamente da campanha no ano passado. Não tenho dúvidas de que este é um movimento que não há como ser detido por tempo indeterminado. Uma nova Venezuela está a caminho.”
- Buscar fissuras dentro do regime – “Este é um regime paranóico. Tenta transmitir uma imagem de coesão, mas no fundo vive em uma dinâmica criminal e, como todo sistema criminal, é voraz e insaciável em suas aspirações de acumular cada vez mais dinheiro, território e poder. Mas não se pode governar um país com 90% da população contrária. À medida que se torna mais difícil continuar a realizar essas atividades ilícitas com tanta liberdade, as tensões internas tendem a crescer e aparecer. Mesmo dentro do regime, há algumas pessoas que entendem que, para o seu próprio bem, convém iniciar um diálogo para viabilizar uma transição para a democracia. Não chegamos a isso ainda, mas estamos em busca.”
- Exigir firmeza da comunidade internacional para asfixiar o regime – “Do que necessitamos? É fundamental interceptar os recursos de redes criminosas e governos corruptos que chegam do exterior e ajudam a suportar o regime Maduro. Porque esse dinheiro é usado para reprimir, aterrorizar e subjugar a população. É aí que a comunidade internacional pode agir com maior firmeza: cortando os canais de financiamento do regime, aplicando a lei e a justiça internacional, sem fazer concessões. Porque ser indiferente ao que acontece na Venezuela hoje significa, na prática, colaborar com uma ditadura.”
“Há dois anos, a Venezuela era um país triste, sem energia, sem esperança. O que nós, venezuelanos, conseguimos realizar é algo extraordinário, mas necessitamos da ação firme dos governos democráticos do nosso continente para que a vitória do povo seja reconhecida. Agora é a hora: o regime está nu, encurralado nacionalmente e isolado internacionalmente. Com a ajuda de todos, temos de trabalhar para que as divisões internas do regime se aprofundem e possibilitem uma transição para a democracia.”
Na Venezuela hoje, não se trata de uma disputa entre esquerda e direita, mas da defesa dos princípios fundamentais de uma república e das instituições democráticas. Lutamos não apenas pelo futuro da nossa democracia, mas pela democracia e pela estabilidade política de toda a América Latina.
María Corina Machado, principal líder da oposição venezuelana
Brasil: ex-aliado, agora é taxado como “hostil”
Ao falar sobre o papel do Brasil, Corina agradeceu a decisão do governo brasileiro de garantir a proteção à Embaixada da Argentina em Caracas, onde estão exilados cinco líderes da oposição (antes eram seis). Em julho de 2024, a Venezuela rompeu relações diplomáticas com a Argentina e outros países latino-americanos por reconhecerem a vitória do oposicionista Edmundo González. A representação argentina foi cercada, e, com a expulsão de seu corpo diplomático, o Brasil assumiu sua proteção.
“Meus companheiros estão há um ano vivendo como reféns, cercados e ameaçados 24 horas por dia por forças de segurança armadas com metralhadoras. Vivem em condições precárias, sem eletricidade, com entrada limitada de água, alimentos e remédios, proibidos de receber visitas. É um escândalo diplomático”, denunciou.
Após a fraude eleitoral, o Brasil agiu com precaução: pediu a divulgação das atas eleitorais e, junto com a Colômbia e o México, buscou dialogar com o regime Maduro, sem sucesso. Em outubro de 2024, o Brasil vetou a entrada da Venezuela no BRICS, o que foi considerado um “gesto hostil” por Caracas.
“O regime Maduro não respeita nem mesmo aqueles que foram seus aliados no passado recente. O Brasil é um grande país e é importante que aumente cada vez mais a pressão sobre Maduro para que ele entenda que a fraude eleitoral não vai passar em branco, que a repressão terá um custo cada vez mais alto e que o tempo está contra ele”, concluiu María Corina.
Baixe gratuitamente o artigo “Venezuela entre emergências e incertezas”, de Margarita López Maya, publicado na série Conexão América Latina, da Plataforma Democrática, uma iniciativa da Fundação FHC.
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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.