Debates
14 de fevereiro de 2023

A Guerra na Ucrânia e os mercados globais de energia e alimentos

Este webinar, promovido pela Fundação FHC e pelo The German Marshall Fund, analisou os cenários macroeconômicos e políticos plausíveis para 2023 (com um olho em 2024).

A guerra na Ucrânia completou um ano em 24 de fevereiro de 2023 sem perspectivas de solução e os impactos nos mercados globais de alimentos e energia, embora tenham arrefecido diante dos picos de preços registrados logo após a invasão russa, continuarão presentes a depender dos rumos do conflito na Europa. Outros fatores de instabilidade, como fenômenos climáticos extremos, epidemias e disputas geopolíticas,podem contribuir para que os preços voltem a subir.

“Desde 2020, o mundo vive uma crise alimentar multidimensional, com vários desafios simultâneos, incluindo os impactos da pandemia de Covid-19, a mudança climática e guerras físicas (como a da Ucrânia) e comerciais (entre os EUA e a China), que compõem um quadro de muitas incertezas”, disse o engenheiro agrônomo Marcos Jank, coordenador do Centro Insper Agro Global, neste webinar realizado pela Fundação FHC e pelo The German Marshall Fund, think tank sediado em Washington.

Segundo Joseph W. Glauber – que foi economista-chefe do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) –, os preços do trigo e do milho vêm caindo, devido à retomada, ainda que parcial, das exportações ucranianas pelo Mar Negro e às safras recordes de outros produtores importantes, mas os estoques mundiais desses produtos são os menores da última década, o que deixa pouca margem para administrar novos choques.

“Como é pequeno o grupo de países exportadores das principais commodities, a oferta mundial de alimentos é muito sensível a eventos imprevistos. Se houver, por exemplo, uma quebra de safra resultante de um fenômeno climático extremo em um dos países exportadores, o resultado pode ser novo aumento de preços no mercado internacional”, explicou o pesquisador do International Food Policy Research Institute e do American Enterprise Institute.

Como grande exportador de algumas das principais commodities – principalmente soja, açúcar e carnes, mas crescendo em milho e algodão –, o Brasil tem se beneficiado do aumento dos preços dos alimentos. Em 2022, as exportações brasileiras do agronegócio cresceram nada menos de 32% em relação ao ano anterior, com aumento do valor e do volume exportados.

Mas, se de um lado os preços elevados dos produtos agrícolas estimulam a produção, a elevação dos preços dos fertilizantes, outro efeito negativo da guerra, e da energia impacta os custos e pode limitar a expansão da oferta. Em suma, embora os mercados futuros apontem para preços decrescentes de alimentos, o cenário ainda é de muita incerteza.

Mercado global de energia também sofre pressão de fatores geopolíticas e climáticos

“O mercado de energia global é complexo, fragmentado e pouco transparente e os resultados das sanções comerciais e econômicas impostas à Rússia não são automáticos, como se bastasse apertar um botão. A tendência é de o Ocidente perder ainda mais influência sobre o regime russo, e Pequim aprofundar a cooperação com Moscou, ainda que não oficialmente”, disse Elina Ribakova, economista-chefe do Institute of International Finance e fellow visitante no think tank Bruegel, sediado em Bruxelas.

“A questão é como o mundo, e não apenas a Europa, vai conseguir se adaptar sem depender tanto do gás russo. A União Europeia e as principais economias do bloco foram rápidas na reação à invasão da Ucrânia, ao anunciar medidas para reduzir o consumo, buscar fontes alternativas ao gás russo e ampliar os investimentos em energias renováveis, mas precisamos ver os resultados desse conjunto de decisões no longo prazo”, disse Clarissa Lins, economista com ampla experiência na área energética, fundadora da Catavento Consultoria.

No curto prazo, a UE foi obrigada a dar marcha à ré na sua política de descarbonização, em alguns casos recorrendo ao desflorestamento e à queima do carvão para suprir a falta do gás russo, o que pode vir a comprometer a meta de reduzir as emissões de carbono em 55% até 2030, em comparação com os níveis observados em 1990. O bloco, porém, mantém firme o seu compromisso de alcançar a meta de zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050, com a expansão do uso das energias renováveis.

Em parte ajudados por um inverno com temperaturas acima das médias históricas, o maior problema dos europeus não tem sido a falta de energia, mas o preço pago por ela, o que tem obrigado governos da região a usar recursos fiscais para atenuar o impacto das contas de energia sobre os orçamentos de empresas e famílias. Os europeus vão levar tempo e arcarão com custos relevantes para superar a dependência do gás russo, que foi crescente ao longo de, pelo menos, vinte anos.

O presidente russo, Vladimir Putin, aposta que o custo econômico da energia nos países europeus acabará por quebrar a unidade entre os Estados Unidos e a Europa na imposição de sanções à Rússia. “Enquanto isso, como uma maneira de reduzir o impacto das medidas, Moscou destinou o grosso das suas vendas externas de petróleo e gás para a China, principalmente, e a Índia, em menor grau”, lembrou Ribakova.

É difícil saber a que preços essas transações estão ocorrendo, mas elas têm sido suficientes para sustentar a economia russa acima da linha d’água e em condições de financiar a continuidade da guerra na Ucrânia. Por isso, o cenário de um desenlace rápido do conflito provocado pelo colapso da economia da Rússia não é realista.

Produtores de alimentos reagem bem, mas não há espaço para imprevistos e erros

“A boa notícia é que houve uma reação muito positiva por parte de alguns dos principais países produtores de alimentos no período pós-pandemia e na sequência da invasão da Ucrânia. O Brasil foi um deles”, disse Joseph W. Glauber.  

A má notícia é que, como os estoques estão baixos e a demanda por alimentos vai continuar a crescer, não há espaço para erros e eventos imprevistos: “Essas instabilidades fazem parte do jogo, mas são cada vez mais imprevisíveis devido às mudanças climáticas.”

“Aumentar a produtividade exige financiamento adequado, investimento em pesquisa,  tecnologia e logística. Leva tempo. O pior que pode acontecer é os países criarem barreiras para dificultar a exportação de alimentos, sob o argumento de garantir o consumo interno, ou apelar para subsídios e protecionismos que se mostram ineficazes para a produção agrícola no médio prazo. A resposta está em mais comércio internacional, não menos”, disse o pesquisador do IFPR.

“Houve uma reação muito positiva por parte de alguns dos principais países produtores de alimentos no período pós-pandemia e na sequência da invasão da Ucrânia. O Brasil foi um deles”, disse Joseph W. Glauber.

Durante a sua fala, o especialista norte-americano apresentou gráficos que mostram a evolução da produção e do comércio internacional de commodities nos últimos anos, assim como o impacto de eventos recentes como a guerra na Ucrânia, a pandemia de Covid-19 e eventos climáticos. Essas informações estão disponíveis na seção Conteúdos Relacionados, à esquerda desta página.

Marcos Jank – que trabalhou durante dez anos com temas internacionais do agronegócio na Europa, nos EUA e na Ásia – alertou para a necessidade de a comunidade internacional criar programas de apoio às populações mais vulneráveis, em especial nos países da África subsaariana. “É fundamental criar políticas globais para diminuir a insegurança alimentar, mas a probabilidade de isso acontecer a curto prazo é pequena devido à profunda crise vivida pelas instituições internacionais e multilaterais. O Brasil pode ajudar a impulsionar esse tema”, disse.

Brasil exporta cada vez mais, mas precisa proteger a Amazônia

“O forte crescimento da demanda por alimentos na África, no Oriente Médio e na Ásia nos abre muitas oportunidades e estamos preparados para aproveitá-las. Para isso, devemos fazer a lição de casa na área ambiental, investir cada vez mais em produtividade e na abertura de novos canais de exportação”, disse Jank.

O engenheiro agrônomo destacou que o desempenho do agronegócio brasileiro tem sido muito positivo há várias décadas e a logística melhorou significativamente nos últimos anos. “Nosso desafio imediato é conter o desmatamento da Amazônia e convencer o mundo de que estamos comprometidos com a proteção da floresta e do meio ambiente, revertendo assim a imagem negativa criada nos últimos quatro anos”, disse.

Outro objetivo deve ser reduzir a dependência dos fertilizantes e adubos produzidos na Rússia, na Bielorússia e na Ucrânia: “Importamos cerca de 85% dos fertilizantes que utilizamos para nossa produção agrícola, e boa parte vem da Rússia. Além de aumentar a produção interna, é importante diversificar os fornecedores.” 

Descarbonização deve ser feita o quanto antes de maneira organizada

“No final do dia, o mundo vai ter que se descarbonizar e o melhor que podemos fazer é agir para que essa transição ocorra o quanto antes e de maneira organizada, não pressionada por acontecimentos extremos, que já estão ocorrendo. As políticas energéticas sustentáveis anunciadas recentemente pelos EUA e pela Europa terão impacto global e poderão beneficiar países como o Brasil, se soubermos aproveitá-las”, disse Clarissa Lins, economista formada pela PUC-Rio, com mestrado pela mesma universidade.

Atualmente cerca de 80% da matriz energética mundial ainda depende do petróleo e do gás, além do carvão, os chamados combustíveis fósseis, cuja queima em grandes proporções provoca o aquecimento global e as mudanças climáticas, deixando o planeta vulnerável a eventos extremos como secas prolongadas, tempestades e inundações.

Neste mundo sob ameaça, o Brasil tem uma situação privilegiada, pois tem uma matriz energética bastante diversificada, devido à relevância da energia hidráulica, responsável por mais de 60% da energia elétrica consumida no país, aos biocombustíveis e ao aumento da produção de energia eólica e solar. Mas o Brasil também é um importante produtor de petróleo e gás e tem sido alvo de críticas por causa do aumento das queimadas e do desmatamento da Floresta Amazônica.

“A transição entre o mundo velho e o novo vai demorar um tempo e, enquanto não chegarmos lá, teremos de conviver com tecnologias e atores do passado e do futuro. Há amplo espaço para a inovação e para empresas startups que encontrarem formas criativas de acelerar esse processo”, disse Elina Ribakova (IIF).

Mundo desenvolvido precisa contribuir com fundos de transição

Embora a meta seja a descarbonização global, cada país terá que definir a melhor estratégia para atingir esse objetivo, com base em suas vantagens e desvantagens, no comprometimento da sociedade com as consequentes mudanças de hábitos e na disponibilidade de recursos. É fundamental, no entanto, a contribuição dos países mais desenvolvidos para a transição energética das nações menos desenvolvidas, diversas delas ainda dependentes de combustíveis fósseis e com recursos insuficientes para promover sua substituição.

“Em diversas oportunidades, como nas Cúpulas do Clima da ONU, os países ricos se comprometeram a contribuir com fundos de transição ambiental e energética, mas os encontros se sucedem e o dinheiro não aparece. O financiamento da transição energética é fundamental para acelerar a descarbonização do planeta e reduzir a ameaça climática”, disse Ribakova.

“No Brasil, a hora é de inovar e reindustrializar o país a partir da introdução de tecnologias sustentáveis. Temos uma chance única de atrair investimentos na área energética, melhorando ainda mais nossa matriz e nos tornando produtores e exportadores de novas fontes renováveis como o hidrogênio verde”, disse Lins.

Assista ao vídeo do webinar na íntegra.

 

Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

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