State vs. Market: a contemporary Perspective
“Por causa da crise, tivemos políticas anticíclicas; passou a crise, mas a política anticíclica não foi desativada”, disse Fernando Henrique Cardoso neste debate realizado em parceria com o Centro de Liderança Pública.
No dia 30 de abril de 2013, a Fundação FHC – em parceria com o Centro de Liderança Pública (CLP) – promoveu o seminário “State vs. Market: a contemporary perspective”, com exposição de Vito Tanzi, chefe do departamento de assuntos fiscais do FMI entre 1981 e 2000, e comentários de Fernando Rezende, professor de economia da EBAPE-FGV. Em sua apresentação, o economista italiano refletiu sobre qual deve ser o papel do Estado na economia e os modos de exercê-lo. Para tanto, revisitou as diferentes escolas de pensamento econômico, deixando evidente que respostas definitivas não existem. Indo além, compartilhou com a plateia os seguintes resultados de estudos empíricos: (i) maiores gastos públicos não levam necessariamente ao aumento de bem estar da população, e podem gerar problemas macroeconômicos e prejudicar as taxas de crescimento, (ii) não é regular e positiva a relação entre altos níveis de gastos públicos e resultados desejáveis nos indicadores socioeconômicos, (iii) governos eficientes são aqueles que atingem bons resultados nos indicadores socioeconômicos com um nível moderado de gastos públicos (30%-35% do PIB) e (iv) maiores níveis de gasto público levam à redução dos índices de desigualdade.
Baseando-se em evidências como essas e na ideia de que “governos existem para prevenir o inferno e não para criar paraísos na Terra”, Tanzi acredita que, quando o papel do Estado torna-se demasiado grande, com profusões de programas e iniciativas, perde-se a capacidade de monitorá-lo adequadamente, o que acaba por tornar sua atuação menos eficiente. No entanto, ele não defende um Estado minimalista. Em sua opinião, a máquina estatal possui um papel importante na sociedade contemporânea, mas as atividades que exerce devem ser consistentes com a capacidade de monitorá-las e controla-las e também de exercê-las de modo eficaz. Por essa razão, vê com bons olhos programas estatais simples e focalizados. Em relação ao modelo europeu de Estado de Bem Estar Social (Welfare State), Tanzi aponta que, nos dias de hoje, é comum culpa-lo pelos gastos públicos. No entanto, o volume atual de gastos associado ao modelo seria inferior ao do passado. Segundo Tanzi, o que se passa é que, ao longo do tempo, esses gastos teriam deixado de ser focalizados e dirigidos àqueles que realmente necessitavam deles para se tornarem cada vez mais disseminados por inúmeras áreas e progressivamente mais altos.
Fernando Rezende, por sua vez, deu ênfase à ideia de “ilusão fiscal”, a qual, segundo definição de Tanzi, “consiste na preferência atribuída pelo governo a impostos cujo sacrifício suportado pelo contribuinte não é percebido e em fazê-los acreditar que uma dada despesa está efetivamente resolvendo o problema ou dando uma contribuição positiva para o bem estar social quando isso, na verdade, não ocorre”. Em um contexto como esse, Rezende aponta que o cidadão não tem clareza do quanto recolhe de imposto ao Estado e de quais benefícios o Estado lhe retribui na forma de serviços prestados. A transparência fiscal seria muito debatida no Brasil, mas, na prática, estaríamos muito longe disso, uma vez que, entre nós, ela se resumiria a uma lei que obriga o governo a colocar na internet sua despesa orçamentária.
De acordo com o economista da EBAPE-FGV, o problema começa com o irrealismo do orçamento aprovado no Congresso. A reestimativa de receitas em bases pouco realistas obriga o Executivo a contingenciar o orçamento aprovado e controlar a execução das despesas em função da confirmação ou não, ao longo do ano, do nível de receitas previsto. Com isso, a liberação de recursos tende a se acumular no final do exercício, quando já não há mais tempo para a execução das despesas. Resulta que um volume crescente de despesas vem sendo inscrito nos chamados “restos a pagar” para execução no ano seguinte. Tal tem sido o acúmulo de “restos a pagar” que, atualmente – salvo pelas despesas obrigatórias com pagamento de salários, benefícios previdenciários, etc –, o governo executa despesas previstas em orçamentos anteriores ao do ano corrente. Ainda segundo Rezende, não apenas o orçamento abriga expectativas pouco realistas com relação às despesas, como sua elaboração se faz cada vez mais à revelia do Plano Plurianual (PPA), instrumento criado pela Constituição de 1988 para obrigar Executivo e Congresso a planejar os gastos orçamentários anuais à luz de metas para períodos de quatro anos. Com frequência cada vez maior, afirmou o economista, o PPA tem sido modificado para se acomodar ao orçamento anual, em uma completa inversão de hierarquia. O contingenciamento, o acúmulo de “restos a pagar” e o enfraquecimento do PPA são todos sintomas de um processo de planejamento e orçamento que, ao mesmo tempo, reduz a competência do Estado para planejar e executar de modo eficiente os gastos públicos e diminui a capacidade da sociedade de controlar a utilização dos recursos que lhe são arrecadados sob a forma de tributos.
Por fim, Fernando Henrique Cardoso observou que, “por causa da crise, tivemos políticas anticíclicas; passou a crise, mas a política anticíclica não foi desativada”, ecoando a afirmação de Tanzi de que governos, em geral, têm facilidade para elevar os gastos públicos com novos programas e políticas em tempos de crise, mas dificuldade para cortá-los quando necessário.