Debates
10 de outubro de 2012

Brazil, India and South Africa: democracy, development, and emerging middle classes

As mudanças nos níveis de renda e consumo da ‘nova classe’ ainda não estão consolidadas porque uma classe social não se define apenas por critérios de renda e consumo, mas também pela inserção estável em redes de formação e socialização.

No dia 10 de outubro de 2012, a Fundação FHC, em parceria com o Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade (IETS), realizou o debate “Brazil, India and South Africa: democracy, development, and emerging middle classes” a fim de identificar e debater as consequências sociais, políticas e econômicas da formação de novas classes médias nos três países.

Autor de “A Classe Média Brasileira: Ambições, Valores e Projetos de Sociedade” (Elsevier, 2010), em coautoria com Amaury de Souza, o cientista político Bolívar Lamounier advertiu logo ao início que qualquer consideração sobre o tema deve ser feita com cuidado. Primeiro porque as mudanças nos níveis de renda e consumo da “nova classe” ainda não estão consolidadas. Segundo porque uma classe social não se define apenas por critérios de renda e consumo, mas também pela inserção estável em redes de formação e socialização que moldam mentalidades e estilos de vida específicos. O que se observaria, por ora, é um processo de mobilidade social de um amplo contingente da população, que alcança e amplia a faixa intermediária da distribuição da renda no Brasil. Daí a falar em “uma nova classe média” iria uma longa distância, pontuou Lamounier.

Por outro lado, além do aumento da renda e do consumo, haveria outros traços comuns a esse contingente populacional. Entre eles, o esforço para ampliar seu nível de instrução formal, pela conciliação de trabalho e estudo. Isso indicaria o aumento do número de indivíduos que têm consciência da estreita relação existente entre educação e rendimento no mercado de trabalho. Se se somar a esse quadro a melhoria do acesso à informação, pela difusão das novas tecnologias, em particular a Internet, pode-se concluir que se amplia tendencialmente o número de cidadãos e eleitores capazes de fazer escolhas mais bem informadas e exigir maior transparência e responsabilidade dos governos na utilização dos recursos públicos. Desse processo, faria parte o ingresso desse contingente no universo de contribuintes que pagam imposto de renda e, portanto, têm noção mais clara de que os recursos dos governos provêm dos tributos arrecadados da sociedade. Todavia, Lamounier ressalvou ser difícil antecipar os reflexos desses processos sociais na arena político-eleitoral. Segundo o cientista político, tudo depende de como os partidos e os políticos responderem às novas demandas e aspirações resultantes desse processo de mobilidade social ascendente. Se a identidade social da chamada “nova classe média” ainda está em aberto, menor ainda é a definição da identidade política desse novo contingente de cidadãos-eleitores.

Em sua exposição sobre a emergência da “nova classe média” na Índia, o cientista político Pratap Bhanu Mehta desenvolveu argumento semelhante ao de Lamounier. Lá as mudanças sociais irromperam de maneira mais estrepitosa na arena política do que aqui. Nos últimos dois anos, cresceu na Índia um movimento de massa em torno do combate à corrupção, liderado por Anna Hazare.

Mehta vê no movimento um sintoma do crescimento de uma “classe média” que não se vê contemplada pelo sistema político indiano. Ele não nutre, porém, uma visão rósea do fenômeno. Ao mesmo tempo em que assinala as suas virtualidades positivas – aumentar o grau de controle sobre e responsabilização das autoridades – e critica a reação conservadora da “classe política”, aponta os riscos de o movimento resultar em enfraquecimento da democracia, ao defender a introdução de mecanismos e práticas de controle e responsabilização que enfraquecem as instituições existentes.

Na África do Sul, a ascensão da “nova classe média” é inseparável da questão racial e das políticas de ação afirmativa adotadas no país após a queda do regime do apartheid, mostrou a cientista política sul-africana Ann Bernstein. São iniciativas governamentais e essencialmente o acesso privilegiado ao emprego público, por meio de um sistema de cotas, os motores da emergência de uma classe média negra na África do Sul. Inevitáveis, em razão de os negros representarem mais de 70% da população e estarem virtualmente marginalizados dos melhores empregos até a queda do apartheid, as políticas de ação afirmativas provocam, entretanto, dois efeitos indesejáveis. Um deles é a fuga de cérebros, já que parte da elite branca é atraída por melhores oportunidades de emprego no exterior. O outro consiste no ressentimento de parte importante da população negra não contemplada pelas políticas de ação afirmativa. O ressentimento é agravado pelo fato de que os mais bem aquinhoados por essas políticas são aqueles com melhores conexões dentro do Congresso Nacional Africano, o partido dominante, que controla o aparelho de Estado. Por ora, a frustração da população negra desprivilegiada por essas políticas ainda não foi suficiente para colocar em xeque o domínio político do CNA. As virtualidades positivas da emergência de uma nova classe média na África do Sul encontrariam seus limites, quer do ponto de vista do desenvolvimento, quer da democracia, no fato de que ela se produz “de cima para baixo”, menos pelo mérito e pelo esforço que por conexões privilegiadas dentro do partido dominante.