Debates
19 de julho de 2022

A força da extrema direita nas redes sociais: ideologia e estratégia

Promovido pela Fundação FHC e pelo Observatório da Extrema Direita, este webinar teve a participação dos pesquisadores Guilherme Casarões e Isabela Kalil.

As redes sociais são um espaço propício à construção de narrativas que dão sustentação à extrema direita brasileira, em geral, e ao movimento bolsonarista, em particular. O fenômeno – que ocorre em vários países, além do Brasil, e vem mudando a política do século 21 – é objeto de pesquisa do Observatório da Extrema Direita (OED), uma iniciativa dedicada a monitorar e analisar governos, partidos e movimentos da extrema direita no Brasil e no mundo.

“A extrema direita entendeu que dar explicações simplificadoras para fenômenos complexos funciona no ambiente digital. Não tem medo de errar e de experimentar coisas, e está colhendo frutos do que começou a plantar há mais de dez anos”, disse a antropóloga Isabela Kalil, professora na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Desde o início da década passada, Kalil desenvolve pesquisas etnográficas sobre protestos de rua e internet.

“O bolsonarismo dialoga diretamente com as narrativas da extrema direita norte-americana, polonesa, húngara, e assim por diante. Muitas vezes o que vemos aqui são traduções de narrativas construídas fora. E vice-versa: a produção do Brasil é muito ativa”, disse o cientista político Guilherme Casarões, professor da FGV-EAESP e pesquisador nas áreas de política externa brasileira, extrema direita e nacionalismo religioso. 

Ambos são coordenadores do OED, projeto iniciado em 2019 pelo professor de Relações Internacionais David Magalhães (PUC-SP/FAAP) e que ganhou corpo nos últimos dois anos, reunindo pesquisadores de diversas instituições universitárias e de pesquisa do Brasil e do exterior. A Fundação FHC convidou o Observatório para uma parceria na realização deste webinar. 

Redes transnacionais de extrema direita

Em sua apresentação (veja mais detalhes na seção Conteúdos Relacionados, à direita desta página), Casarões traçou um panorama sobre a forma como se articulam e operam as “redes transnacionais de extrema direita”, resumindo quatro etapas integradas:

  • Emulação. A reprodução de ideias, estéticas e performances da extrema direita global, especialmente a Alt-right norte-americana;
  • Adaptação. A tradução desse conjunto de símbolos para a realidade brasileira, a partir de referências conhecidas aqui;

  • Coordenação. Etapa que pressupõe um grau de articulação funcional entre grupos e membros desses grupos. Por exemplo: médicos bolsonaristas que dialogam diretamente com influenciadores digitais bolsonaristas etc;

  • Legitimação. A adesão por meio de curtidas, retweets etc., combinada com corroboração interna e validação externa. Por exemplo: engajamento de Bolsonaro com perfis falsos e interações que acontecem em níveis transacionais. 

“Identifico Olavo de Carvalho como o pai desta extrema direita brasileira. Ele já abria trilhas desde os primórdios das redes sociais, ajudando no processo de projeção desses grupos”, explicou o pesquisador. Os  grupos de extrema direita se consolidaram em uma espécie de subterrâneo da internet, em fóruns de discussão como 4chan e Reddit, e foram aos poucos trazendo para a superfície parte dessas narrativas. No Brasil, em especial, destacam-se:

  • Grupos de interesse, que não necessariamente operam nativamente nos espaços digitais, mas que os ocupam com pautas específicas; são exemplos os evangélicos, os armamentistas, médicos e empresários identificados com o bolsonarismo, que movimentam pautas como valores morais cristãos, liberdade e cloroquina, entre outras;
  • Criadores de narrativas, grupos que se ocupam sistematicamente de criar narrativas que sustentam a presença da extrema direita no dia a dia da política, como jornalistas e influenciadores;
  • Tropas de choque, aqueles que potencializam e disseminam de forma eficiente essas narrativas, sobretudo por meio da linguagem de memes, games etc.

Os seguidores de Olavo de Carvalho (morto em 2022) criaram códigos, símbolos e performances que deram forma ao que ficou conhecido como bolsonarismo nas redes. “Os evangélicos são uns dos caudatários deste processo. Com a ascensão de Bolsonaro aos holofotes, algumas lideranças evangélicas buscaram modular a sua retórica e os seus símbolos para convergir com aquilo que o bolsonarismo já vinha fazendo”, argumenta Casarões. “Eu não descartaria a hipótese de haver uma certa centralização de narrativas por parte de pessoas muito próximas do governo”, concluiu.

Entre a rua e a internet: estudo de caso de redes bolsonaristas

“Não foi a internet que inventou esses microfascismos. Mas discursos que antes eram inaceitáveis na vida pública e eram de alguma maneira limitados por muros de contenção ganharam visibilidade e se tornaram pouco a pouco toleráveis nas redes sociais”, disse Isabela Kalil.

A antropóloga explicou que mesmo protestos de rua relativamente pequenos podem render material que, depois, é amplificado nas redes sociais e podem ter impacto por muito tempo: “Às vezes,  o movimento de rua pode parecer pequeno ou sem sentido, mas verificamos nele a produção de imagens e conteúdos que vão alimentar plataformas digitais por anos, em diferentes contextos”. 

Kalil trouxe ao evento um estudo de caso: um protesto que ocorreu em 15 de março de 2020, nos primeiros dias da pandemia do novo coronavírus no Brasil. Era para ser uma grande manifestação de rua, mas, devido às restrições da pandemia, se prestou mais a gerar imagens para o espaço digital. A pauta também passou por adaptações: a ideia original era pedir o fechamento do Congresso Nacional, mas o protesto acabou focando na negação da pandemia, em teorias conspiratórias e ataques à China.

“A internet é um ambiente aberto, acessível a qualquer pessoa. Mas esses grupos mais radicais utilizam códigos/senhas, que funcionam como uma chave. Quem não conhece os códigos corretos não consegue identificar o que está acontecendo”, explicou. Em 15 de março de 2020, a pesquisa acompanhou 30 hashtags – o símbolo #, usado para indexar palavras-chave ou tópicos no Twitter.

“Naquele dia específico, verificamos que o compartilhamento da hashtag #BolsonaroDay era 55% composto do que chamamos de comportamento inautêntico. Ou seja, mais da metade do engajamento foi feito por robôs e ciborgues”, disse. Segundo Isabela, isso não pode ser generalizado, mas é paradigmático, pois é o primeiro da série dos chamados “atos antidemocráticos”. “Robôs não votam, mas podem falsear a opinião pública, influenciar humanos e nos colocar em risco”, afirmou.

“A produção de eventos continua até hoje, agora com as chamadas ‘motociatas’ de Bolsonaro, também importantes para gerar imagens e mobilização no meio digital. É uma tecnologia política bolsonarista, que vem sendo aperfeiçoada

A ideologia e as estratégias utilizadas por esses grupos radicais conservadores representam um grande desafio para a esquerda, que ainda não encontrou uma maneira de se contrapor à força da extrema direita nas redes sociais.

“O campo progressista, como eu prefiro chamar, tenta convencer a partir de ideias, enquanto a extrema direita mobiliza afetos e instiga medo, ódio e preconceitos”, disse. Segundo a antropóloga, há formas mais pedagógicas e eficazes que o campo progressista poderia utilizar para dialogar melhor com o público nas redes, sobretudo os mais jovens, que têm sido cada vez mais atraídos pelo discurso reacionário da extrema direita.

Para complicar ainda mais, a extrema direita é hábil em fazer a esquerda “trabalhar de graça” em seu proveito no mundo virtual.  “Quando a extrema direita produz uma imagem e lança um absurdo nas redes, as pessoas progressistas acabam compartilhando, para criticar. E então o discurso se amplifica. O campo progressista trabalha de graça para extrema direita o tempo todo”, explica Kalil.

Assista ao vídeo integral do webinar. 

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Como as democracias morrem: os desafios do presente – Com Steven Levitsky

Capitalismo de vigilância e democracia – Com Shoshana Zuboff

A ideologia por trás da extrema direita no Brasil e no mundo – Com Benjamin Teitelbaum 

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Isabel Penz, historiadora formada pela USP, é assistente de coordenação de estudos e debates da Fundação FHC.