Fórum Mundial da Água 2018: Desafios da gestão hídrica na Grande São Paulo
“Falta d’água ou o desperdício de água própria para consumo se reflete em toda a economia, pois sem água não há vida possível”, falou Julian Thorton, consultor da Sabesp.
“Uma cidade resiliente é aquela que tem a capacidade de resistir, absorver e se recuperar de forma eficiente dos efeitos de um desastre e de maneira organizada prevenir que vidas e bens sejam perdidos.”
United Nations International Strategy for Disaster Reduction, 2012
A maior lição da crise hídrica ocorrida entre 2014 e 2016 é a necessidade de transformar a macrometrópole São Paulo em uma região resiliente, de acordo com o conceito acima, definido pelas Nações Unidas.
Para tornar mais resiliente essa extensa área – que abrange 180 municípios onde vivem mais de 20 milhões de pessoas e se concentra 23% do PIB brasileiro, em apenas 0,6% do território do país -, é preciso não somente garantir a oferta de água, buscando-a mais longe e interligando os diversos reservatórios, como também reduzir a demanda (consumo). Além disso, é essencial trabalhar de forma contínua e permanente para diminuir as perdas de água, principalmente aquelas causadas por vazamentos.
“Desde 2008, quando começamos a elaborar o Plano Macrometrópole (que vai até 2035), ficou claro que qualquer solução para a Grande São Paulo significaria cutucar nossos vizinhos com os cotovelos, ou seja, trazer água do Rio Paraíba do Sul e de regiões ainda mais distantes. O compartilhamento de águas entre os municípios da macrometrópole é o que garantirá a sustentabilidade de toda a região”, disse Monica Porto, secretária-adjunta de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo.
“(Nos) programas de controle de perdas não importa quanta estrutura a gente troca, quanto controle é feito, não pode parar nunca ou volta tudo atrás e, em poucos anos, todo o sistema entra em colapso”, disse Julian Thorton, especialista internacional em NRW (Non-Revenue Water, ou água desperdiçada, em tradução livre) e consultor da Sabesp.
Monica Porto e Julian Thorton participaram do seminário Desafios da Gestão Hídrica na Grande São Paulo, realizado na Fundação FHC com apoio da ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), às vésperas do Fórum Mundial da Água 2018 (de 18 a 23 de março, em Brasília), que teve como tema justamente os desafios relacionados ao compartilhamento da água entre regiões, países e, dentro deles, estados ou províncias e cidades.
“São Paulo, o Estado mais urbanizado da Federação, é um bom exemplo desse imenso desafio”, disse Monica, presidente do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), que abrange os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em sua apresentação, a secretária mostrou um mapa que mostra a disponibilidade de água em São Paulo. Pintada em vermelho (Grande São Paulo), está a área mais crítica. Já as áreas azuis são as que têm mais abundância.
180 municípios interdependentes
A macrometrópole inclui não apenas a Grande São Paulo, mas um total de 180 municípios, incluindo Campinas, Sorocaba, Piracicaba, Botucatu, São José dos Campos e todo o Vale do Paraíba, a Baixada Santista e o Litoral Norte. “Somos uma região complicada, e dentro há uma região ainda mais complicada”, explicou Monica.
Em 3 de março último, as águas do rio Paraíba do Sul (represa de Jaguari) passaram a reforçar o reservatório de Atibainha, parte do sistema Cantareira, que abastece a capital. Quando concluída, o que deve ocorrer nas próximas semanas, a interligação permitirá que, em caso de necessidade, a água possa fazer o caminho inverso, ou seja, abastecer a região do Vale do Paraíba, no interior do Estado.
“A interligação dos mananciais (oito, atualmente) é o que dará maior robustez e flexibilidade a todo o sistema, pois, se o nível de um deles cai, os demais compensam. É o que, em engenharia, chamamos de redundância”, disse a secretária-adjunta, também professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da USP.
A interligação Jaguari-Atibainha é uma das obras prioritárias da Sabesp, ao lado da Parceria Público-Privada São Lourenço e da captação no Rio Itapanhaú, em Bertioga, no litoral paulista. O sistema São Lourenço, em fase de testes, vai abastecer 2 milhões de moradores de cidades da região Oeste, entre elas Cotia, Barueri e Santana do Parnaíba, reduzindo a dependência de toda essa área do sistema Cantareira. Captada em Ibiúna, a água é transportada por cerca de 80 quilômetros.
Em 2015, auge da crise hídrica, foi realizada a interligação entre os sistemas Rio Grande e Alto Tietê.
Sintonia fina
As perdas de água entre os reservatórios da Sabesp e as caixas d´água dos consumidores representam de 24% (segundo a empresa) a 31% (segundo a Arsesp – Agência Reguladora de Saneamento e Energia de São Paulo) do total de água própria para consumo (veja reportagem do Estadão) na região metropolitana de São Paulo.
Desse total, 60% do desperdício ocorre devido a vazamentos no meio do caminho (perda real) e 40% devido a ligações irregulares e roubo (perda aparente). Segundo Julian Thorton, o desperdício de água na região metropolitana de São Paulo está no nível B (de A a D) entre os países em desenvolvimento: “Está dentro da faixa recomendada pelo Banco Mundial e, logo, não está ruim, mas sempre pode melhorar”, afirmou o especialista, que vive no Brasil e fala português.
A caixa de ferramentas para reduzir as perdas inclui pesquisas de vazamentos, controle de pressão na rede, troca de ramais e regularização de imóveis fora do sistema.
Segundo Thorton, autor do livro Water Loss Control Manual (Manual de Controle de Perdas de Água) e um dos maiores especialistas mundiais no assunto, atualmente a Sabesp monitora vazamentos em 54% dos 36 mil quilômetros da rede de distribuição de água da região metropolitana. “Em 20 anos, evoluiu de 0% para 54%, mas precisa chegar a 100%”, disse o consultor da empresa. A cada mês, 3.600 km de rede são pesquisados e cerca de 25 mil ramais são substituídos.
“O sistema é muito grande e antigo e, como a toda hora surgem novos vazamentos, é preciso identificar os existentes e consertá-los num percentual acima do surgimento de novos vazamentos para conseguir baixar o nível total de perda real”, explicou.
Além da complexidade de identificar onde estão ocorrendo vazamentos, há uma corrida contra o tempo, pois quanto mais demorar para resolver o problema, mais água se perde. “O controle de perdas é um quebra-cabeça, que exige trabalho contínuo e sintonia fina”, afirmou. Aproximadamente 25% do orçamento da Sabesp é destinado à manutenção e modernização da rede.
O programa Água Legal conseguiu regularizar a situação de 100 mil dos 400 mil imóveis que se abasteciam de forma irregular na região metropolitana e pretende regularizar outros 120 mil em breve. Entretanto, a legislação não permite a regularização de imóveis situados em áreas invadidas, protegidas ou em situação de risco.
Thorton elogiou o quadro técnico da Sabesp e de seus fornecedores de serviços e equipamentos (“diferentemente de outros países grandes, como China e Índia, aqui há gente com capacidade para enfrentar os problemas e reduzir as perdas”) e chamou atenção para o “valor real da água comercializada”.
“A falta d’água ou o desperdício de água própria para consumo se reflete em toda a economia, pois sem água não há vida possível. Quando a água não chega à casa da pessoas em quantidade e qualidade adequadas, as pessoas precisam ir buscá-la em locais distantes, pagam mais caro, perdem tempo precioso, comprometem sua saúde e, com frequência, correm até risco de assalto ou violência no caminho”, afirmou.
“Por isso é importante investir em sistemas eficientes, cuidar deles de forma contínua, conscientizar a população sobre o consumo e cobrar o valor justo para garantir os investimentos necessários, fechando o ciclo”, disse Thorton, com experiência prática em mais de 30 países em 35 anos de profissão.
‘Mea culpa’
A secretária adjunta de Saneamento e Recursos Hídricos, Monica Porto, negou que a crise hídrica ocorrida entre 2014 e 2016 tenha ocorrido por falta de planejamento por parte da Sabesp e das autoridades governamentais, mas admitiu que houve falhas de comunicação com a população.
“O Plano Macrometrópole ficou pronto em 2013, portanto as soluções já estavam na prateleira quando parou de chover em São Paulo. Enfrentamos um acidente climático absolutamente incomum, anômalo e não previsível”, disse. “Mas faço um ‘mea culpa’: demorou para reagirmos no que diz respeito à comunicação. Nós, engenheiros e técnicos, não conseguimos traduzir nossos documentos e planos internos à população sob risco, causando muita angústia e desinformação. Precisamos melhorar muito nesse aspecto”, afirmou Monica.
Otávio Dias, jornalista, é editor de conteúdo da Fundação FHC. Especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres, editor do site estadao.com.br e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.