A Reforma Trabalhista: jogo de soma zero ou de soma positiva?
“Estamos muito próximos de criar um espaço de negociação para administrar o conflito trabalhista onde ele nasce, dentro do local de trabalho”, disse Helio Zylberstajn, professor da FEA-USP e pesquisador da Fipe.
“O juiz conhece as regras gerais do direito do trabalho, mas não as características específicas de cada setor produtivo. Ele não pode saber de tudo.”
Ives Gandra Martins Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho
“Somos contra a intervenção do Judiciário nas relações entre capital e trabalho. Não adianta se esforçar para negociar se a Justiça tira a efetividade daquilo que as partes envolvidas desejam.”
Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores
“Estamos muito próximos de, pela primeira vez em nossa história, criar um espaço de negociação para administrar o conflito trabalhista onde ele nasce, dentro do local de trabalho.”
Helio Zylberstajn, professor da FEA-USP e pesquisador da Fipe
A reforma trabalhista proposta pelo governo Michel Temer, por meio do Projeto de Lei 6.787/2016, deve prestigiar a negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores, de preferência dentro do local de trabalho, para permitir que as partes definam as regras mais aceitáveis para ambos os lados, reduzindo assim a judicialização dos conflitos trabalhistas.
Esta foi uma unanimidade entre os três participantes do debate “A reforma trabalhista: jogo de soma zero ou de soma positiva?”, que abriu, no início de fevereiro, a série de debates da Fundação Fernando Henrique Cardoso em 2017.
No Brasil, cerca de 3 milhões de ações trabalhistas são iniciadas a cada ano, levando a uma sobrecarga da Justiça do Trabalho. “O trabalhador muitas vezes ganha, mas não leva porque há também um congestionamento na execução das decisões judiciais. Até 80% dos processos não são concluídos nos três primeiros anos”, explicou Ives Gandra Martins Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.
Mas, para a negociação entre empregados e empregadores funcionar, a proposta do governo, que deverá ser analisada pelo Congresso Nacional neste primeiro semestre, precisa deixar mais claro como serão escolhidos os representantes das comissões de negociação, afirmaram os especialistas.
“A questão mais importante é a escolha da representação no local do trabalho. É isto que vai dar estrutura para a reforma trabalhista. Quando o governo nos chamou para conversar, sugerimos a realização de eleições em todos as empresas com mais de 50 funcionários. Depois soubemos, por meio da imprensa, que a eleição seria a partir de 200 funcionários. Que confiança podemos ter?”, disse Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e da União Geral dos Trabalhadores (UGT).
“Ainda mais importante do que o princípio (da prevalência) do negociado sobre o legislado, é a regularização do representante dos trabalhadores na empresa. De acordo com as primeiras versões do projeto, o sindicato realizaria a eleição deste representante. Mas, depois, parece que a empresa organizaria o processo. É preciso atenção a esse detalhe”, concordou Helio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP) e pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
“Se os empresários puderem escolher os trabalhadores para fazer a negociação coletiva, que raio de negociação seria essa?”, criticou Patah.
Além dos nomes já citados, a Fundação FHC também convidou um representante do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, filiado à CUT (Central Única dos Trabalhadores), que infelizmente não participou do evento.
Aprender a administrar o conflito
Segundo Zylberstajn, as relações de trabalho são intrinsecamente conflituosas porque há uma divergência fundamental de interesses: o trabalhador quer ganhar mais, e a empresa quer pagar menos. “Isto é universal. O que os países tentam fazer, com mais ou menos sucesso, é administrar esse conflito. O pecado original do sistema brasileiro é que ele não reconhece o conflito. Em vez disso, o joga pra fora. (Se o empregado) tem algum problema? Vai buscar seus direitos na Justiça do Trabalho”, disse.
“Qualquer sistema de negociação coletiva deve começar dentro da empresa, o nosso começa fora, com a database. Uma vez por ano, os sindicatos patronal e da categoria profissional se reúnem, mas tudo acontece fora da empresa. Não há espaço definido para a negociação do dia a dia. Se a atual proposta de reforma trabalhista resolver esta questão, será uma revolução. A criação de um canal para que as divergências se expressem resultará em mudanças profundas não apenas nas relações trabalhistas, mas no próprio movimento sindical e na Justiça do Trabalho”, afirmou o economista.
Estímulo à negociação versus indisponibilidade de direitos
Para Ives Gandra Filho, é preciso reduzir o “paternalismo estatal” e estimular a negociação entre trabalhadores e empregadores por meio de caminhos alternativos como arbitragem, conciliação e mediação. “Quando a Justiça diz ‘nisto não se mexe, naquilo não se mexe’, acaba criando uma tal rigidez que impede que trabalhadores e empregadores definam as regras mais adequadas para cada situação específica”, defendeu.
“Temos um ultraprotecionismo e esquecemos do princípio da subsidiariedade, que diz que quando as sociedades menores tiverem condições de promover os seus fins diretamente e bem, não cabe ao Estado substituí-las. Este não deve se impor à família, à escola, ao sindicato e às empresas”, disse.
Para Ives Gandra, “em um país onde um sindicalista foi eleito presidente da República, não se pode dizer que o movimento sindical seja fraco. Os trabalhadores têm todas as condições de negociar com as empresas normas razoáveis.”
“Todos queremos mais empregos, empresas produtivas, segurança jurídica, proteção do trabalhador e harmonia nas relações trabalhistas”, completou o juiz, para quem o intervencionismo estatal e o ativismo judiciário acabam por desestruturar a economia em vez de contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país.
Reforma do Estado e administrativa
De acordo com Ricardo Patah, a UGT é favorável à reforma trabalhista, mas considera que há reformas ainda mais prioritárias, como a do Estado e a administrativa. “É preciso deixar mais claro quais são os papéis dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, os três pilares de nosso Estado”, disse.
“A reforma trabalhista pode melhorar um pouco o cenário no que diz respeito à segurança jurídica, mas não resultará imediatamente no aumento do emprego nem trará crescimento econômico para o Brasil”, afirmou. Calcula-se que atualmente existam 13 milhões de desempregados no país, que vive seu terceiro ano de recessão econômica, iniciada em meados de 2014.
Patah sustentou que a reforma trabalhista seja feita com equilíbrio, sensibilidade e muito diálogo. “É nos momentos de crise que se constroem as soluções, mas tudo tem de ser feito com clareza e transparência. Não pode haver quebra de confiança nem açodamento”, disse o representante dos trabalhadores.
Para Ives Gandra Filho, o argumento de algumas entidades sindicais de que não se deve fazer uma reforma trabalhista no meio de uma grave crise como a que o Brasil enfrenta não se justifica. “É verdade que os trabalhadores estão fragilizados, mas as empresas também. A crise econômica não pode ser desculpa para não fazer a reforma. Pelo contrário: deve ser o motor e o principal estímulo”, disse.
Estabelecer apenas o que não pode ser negociado
Helio Zylberstajn criticou a inclusão de 13 itens passíveis de negociação na reforma trabalhista em discussão. “Por que restringir? Não confiam na negociação coletiva? Na representatividade? Sugiro que se determine apenas o que não pode ser negociado. Na minha visão, a saúde do trabalhador e a segurança do trabalho”, disse o professor da USP.
Entre os 13 itens passíveis de negociação, estão flexibilização da jornada de trabalho (respeitado o limite máximo de 220 horas mensais), trabalho remoto e parcial, intervalo de descanso durante a jornada, hora “in itinere” (aquela gasta no percurso de casa para o trabalho), banco de horas, remuneração da produtividade, parcelamento das férias e da participação nos lucros e resultados (PLR) e plano de cargos e salários.
Patah está de acordo com a discussão desses itens, mas com limites. “Acordamos que o trabalho em tempo parcial, por exemplo, poderia atingir no máximo 10% dos trabalhadores de uma empresa, com foco na terceira idade e no primeiro emprego e garantia de pelo menos um salário mínimo de remuneração. Se tirarem isso, não dá”, afirmou.
O imperativo da terceirização
Zylberstajn também defendeu a necessidade de o Congresso avançar na discussão e votação de uma nova lei sobre terceirização, prevista no Projeto de Lei da Câmara (PLC) 30/15. “Neste século, a empresa vencedora é a que se horizontaliza. O tempo da empresa vertical, do grande conglomerado que fazia tudo dentro, passou. Antes, era muito difícil coordenar atividades realizadas fora da empresa. Mas hoje, com a tecnologia, é menos custoso coordenar atividades fora do que fazer tudo dentro (da empresa)”, explicou.
Para o economista, diante desse novo cenário global, a discussão sobre atividade-fim e atividade-meio, um dos aspectos polêmicos que tem bloqueado o debate sobre terceirização no Brasil, não faz mais sentido. “Um exemplo: telemarketing é atividade-fim ou meio? Os juízes não concordam sobre isso e, dependendo de quem decide, pode ser considerado fim ou meio. Isso provoca enorme insegurança jurídica”, disse.
Segundo o economista, a terceirização é livre no mundo todo, até mesmo na Europa. “Na Europa, quando uma empresa decide terceirizar, existe a preocupação de que os funcionários não sejam demitidos porque a base do sistema europeu é a proteção do emprego. Qual é o nosso modelo? É a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho, em vigor desde os anos 1940). Então deveríamos poder terceirizar qualquer coisa, desde que o terceirizado seja protegido pela CLT”, afirmou.
Zylberstajn contestou dados divulgados por centrais de trabalhadores segundo os quais os salários de terceirizados seriam até 25% inferiores do que os de funcionários efetivados dentro da própria empresa. “Na Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), calculamos que a diferença de salário de um trabalhador terceirizado que faça o mesmo tipo de trabalho de um funcionário da empresa é de em torno de 3% para menos”, disse. Presentes na plateia, representantes do DIEESE contestaram a afirmação do economista.
Reforma sindical versus valorização do sindicalismo
Em sua fala, Ives Gandra Filho propôs que, após a votação das reformas trabalhista e previdenciária (ambas previstas para acontecer ainda neste ano), o país discuta uma reforma sindical. “Em 2018, teremos de discutir a reforma sindical e acabar com a obrigatoriedade da contribuição sindical e a unicidade sindical, estabelecendo um regime de concorrência que estimule o surgimento de sindicatos reais”, defendeu.
A declaração do presidente do TST provocou reação do líder da UGT: “Por que criticar a estrutura sindical e tentar enfraquecer o movimento sindical?”, perguntou Ricardo Patah.
Para o representante dos trabalhadores, “o sindicalismo teve papel importante no processo de redemocratização do país, ajudou no combate à inflação (durante os governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso) e, agora, pode contribuir para aperfeiçoar as relações de trabalho.”
“Temos disposição para debater e fazer sugestões, mas não pode ter faca nas costas”, completou.
Otávio Dias, jornalista, é especializado em questões internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.