Debates
26 de outubro de 2016

Os desafios dos bancos europeus num ambiente de taxas de juros negativos

“As palavras duras do FMI em outubro não representam as primeiras críticas feitas aos bancos europeus, mas sem dúvida atiçaram as chamas do debate público”, disse Andreas Dombret, membro do Conselho Consultivo do Deutsche Bundesbank.

“Os bancos enfrentam um futuro realmente desafiador que nos fazem lembrar dos Doze Trabalhos de Hércules. Hoje, no entanto, vou me ater a apenas quatro tarefas urgentes.”
Andreas Dombret, membro do Conselho Consultivo do Deutsche Bundesbank

Os bancos europeus conseguiram sobreviver à crise financeira global de 2008 (que atingiu especialmente a Zona do Euro e os Estados Unidos) e não correm risco imediato de quebrar, mas precisam rever suas estruturas, suas práticas e seus modelos de negócio para se adaptar a uma realidade de taxas de juros próximas de zero ou negativas, baixo crescimento econômico, margens de lucro reduzidas e rápidas mudanças tecnológicas. Foi o que disse o alemão Andreas Dombret, membro do Conselho Consultivo do Deutsche Bundesbank e representante do Bundesbank para o FMI, em seminário na Fundação Fernando Henrique Cardoso.

“Não concordo com a percepção pública exageradamente negativa sobre a indústria bancária (europeia) veiculada nas últimas semanas, mas sou crítico ao fato de que diversas instituições ainda veem os grandes desafios da atualidade como problemas temporários e, em consequência, continuam adiando decisões desagradáveis, mas absolutamente necessárias”, disse Dombret durante palestra sobre “Os desafios dos bancos europeus num ambiente de taxas de juros negativos”.

No início de outubro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou uma versão atualizada de seu Relatório Global sobre Estabilidade Financeira (Global Financial Stability Report), no qual alertou que os bancos europeus representam uma ameaça para o sistema financeiro mundial por causa das margens de lucro muito pequenas e do percentual acima do desejado de empréstimos de baixa qualidade. “Na Europa, cerca de um terço do sistema (bancário), representando cerca de US$ 8,5 trilhões (7,5 trilhões de euros) em ativos, continua fraco e incapaz de gerar lucros sustentáveis”, disse Peter Dattels, economista do FMI, ao apresentar o relatório de 113 páginas em Washington (EUA) no dia 5 de outubro. Leia a reportagem do site alemão Deutsche Welle.

Ainda segundo o FMI, os bancos europeus necessitam de “ações urgentes e abrangentes” para enfrentar um legado de empréstimos ruins e modelos de negócio ineficientes e ultrapassados. Até mesmo o Deutsche Bank, principal banco da Alemanha (a maior economia da União Europeia), apresenta problemas, com queda de mais de 40% no valor de suas ações neste ano.

“As palavras duras do FMI em outubro não representam as primeiras críticas feitas aos bancos europeus, mas sem dúvida atiçaram as chamas do debate público”, reconheceu Andreas Dombret. Segundo o palestrante, “uma coisa é estar com a saúde relativamente boa, outra é estar em ótimas condições para enfrentar todo e qualquer desafio que o futuro nos reserve.”

“A rentabilidade não é um objetivo em si mesmo, mas o meio necessário para atingir um fim, que é a estabilidade do banco e sua capacidade de cumprir os requerimentos regulatórios do mercado de capitais. Por isso, os supervisores estão preocupados com a rentabilidade em queda (dos bancos europeus). A eficiência, por sua vez, é um meio para melhorar a rentabilidade”, afirmou.

Andreas Dombret listou quatro grandes desafios a serem enfrentados especificamente pelo sistema bancário europeu, mas que também valem para bancos de todo o mundo:

1. Mudança demográfica – Na Europa, a população está envelhecendo rapidamente e as taxas de natalidade em geral não são suficientes para manter o equilíbrio populacional, o que deve provocar uma redução da população na maioria dos países europeus. A força de trabalho também deve diminuir, enquanto o número de aposentados e/ou pessoas que não trabalham deve aumentar. Este fenômeno tende a reduzir o consumo e o crescimento econômico na região, assim como os investimentos a médio e longo prazo, impactando no modelo de negócio tradicional dos bancos. 

2. Digitalização – Embora a revolução digital não seja uma novidade, ela está se tornando um fenômeno de massas cada vez mais amplo e universal, com repercussões nos mais diversos aspectos da vida cotidiana de cidadãos de todo o planeta. Também o setor financeiro está sendo fortemente transformado pela tecnologia digital.

Segundo Andreas Dombret, as expectativas dos clientes mais jovens são diferentes daquelas dos clientes tradicionais e evoluem com muita rapidez. Além disso, as chamadas “fintechs” (empresas ‘startups’ que oferecem inovações na área de serviços financeiros, com processos baseados em tecnologia) já conquistaram importantes fatias de mercado dos bancos tradicionais. Leia a reportagem da Época Negócios e veja o mapa das fintechs no Brasil.

“Toda a antiga cadeia de valor (do setor bancário) está se desfazendo em pedaços e sendo reagrupada pelas novas fintechs. Isso significa que serviços que antes eram oferecidos por apenas uma instituição, num único pacote, serão cada vez mais disponibilizados por empresas de fora do setor bancário tradicional. O risco é que os bancos fiquem apenas com as partes menos atrativas da nova cadeia de valor”, disse Dombret.

Se, por um lado, a digitalização representa uma importante ameaça ao setor bancário tradicional, por outro traz enormes oportunidades para que os bancos se renovem e melhorem suas condições de competitividade no futuro.

3. Taxas de juros muito baixas ou negativas – Para Dombret, o maior desafio a médio prazo para os bancos (europeus e de outras partes do mundo) são as taxas de juros negativas atualmente em vigor em diversos países da Europa e no Japão. Em junho de 2014, o Banco Central Europeu, que define a política monetária dos 19 países que utilizam o euro, se tornou o primeiro banco central importante a adotar taxa de juros negativa. Nos meses seguintes, Dinamarca, Suíça e Suécia seguiram pelo mesmo caminho e, desde janeiro deste ano, também o Japão. Nos EUA, as taxas de juros continuam entre 0,25% e 0,50%, apesar da expectativa de que possa haver uma elevação em breve, em especial após a eleição de Donald Trump (assista ao vídeo sobre os impactos da vitória do republicano). Para entender melhor o assunto, leia as reportagens da Folha de S.Paulo e do New York Times.

“Por muitos e muitos anos, os bancos se beneficiaram de um modelo de negócios muito estável: recebiam depósitos em grande quantidade e concediam empréstimos com taxas de juros superiores àquelas que pagavam a seus clientes. Em um meio ambiente com taxas de juros persistentemente baixas, este modelo não funciona mais”, disse o palestrante. Da mesma maneira, o financiamento cruzado (“cross-finance”) dos serviços bancários tendo como lastro o rendimento dos depósitos perdeu viabilidade. Atualmente, 75% da rentabilidade dos bancos alemães depende da receita líquida de juros, que é cada vez menor. 

4. Regulamentação – De acordo com Dombret, regras mais rígidas e supervisão mais rigorosa do sistema bancário são medidas não apenas necessárias, mas tardias. “O controle débil de antes da crise de 2008 era simplesmente errado. Agora estamos corrigindo esse problema e, obviamente, adaptar-se às novas regras é uma tarefa complexa e exigente”, disse.

Para Andreas Dombret, o caminho de fortalecimento dos bancos europeus (e do resto do mundo) passa por uma “tríade composta por maior eficiência, renovação e redimensionamento do sistema bancário”.

Apesar da recente redução do número de bancos e agências, a eficiência e os custos dos bancos europeus continuam abaixo da média internacional. A digitalização das instituições pode ajudar a otimizar processos e reduzir custos.

Os bancos também devem criar novos serviços que realmente atendam às necessidades atuais dos consumidores, inclusive das novas gerações, assim como oferecer produtos em colaboração com as novas fintechs ou que sejam suficientemente inovadores para competir com elas.

Por fim, o palestrante defendeu “um reescalonamento moderado, mas estrutural” da capacidade do sistema bancário para adequá-lo à nova realidade econômica. Em outras, palavras, uma redução do tamanho do setor financeiro.

Otávio Dias, jornalista, é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres, editor do site estadao.com.br e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.