Arturo Valenzuela: “Vitória de Trump foi significativa, mas não foi esmagadora, e futuro presidente enfrentará choque de realidade”
Neste webinar, o professor emérito de Ciência Política da Georgetown University analisou os resultados da eleição norte-americana e projetou possíveis cenários políticos e econômicos para o país.
Mesmo tendo vencido tanto no Colégio Eleitoral como no voto popular, e conquistado maioria no Senado e na Câmara dos Deputados, a vitória do republicano Donald Trump nas eleições de 5 de novembro não representa uma virada à direita mais pronunciada por parte do eleitorado norte-americano, com potencial de definir os rumos do país nesta direção por um período de tempo mais longo do que os próximos quatro anos.
“A vitória de Trump não foi esmagadora. Embora ele tenha vencido nos sete swing states, o que lhe garantiu uma maioria folgada no Colégio Eleitoral, o país segue dividido entre os eleitores do Partido Republicano e do Partido Democrata”, disse o democrata Arturo Valenzuela, que atuou como subsecretário de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado durante o primeiro governo Obama, neste webinar realizado pouco mais de uma semana após as eleições norte-americanas.
Com a vitória em sete estados-pêndulo — que ora votam em um candidato democrata, ora em um republicano —, Trump garantiu 312 delegados no Colégio Eleitoral, contra 226 para a candidata democrata Kamala Harris.
Segundo Valenzuela — que nasceu no Chile, filho de pais missionários norte-americanos, e vive nos EUA desde a década de 1960 —, mesmo no voto popular a diferença entre Trump e Harris, atual vice-presidente do país, será de menos de 3 milhões de votos, equivalente a menos de 2% dos 155 milhões de norte-americanos aptos a votar. Em 2016, Trump teve quase 3 milhões de votos a menos do que a democrata Hillary Clinton, mas venceu no Colégio Eleitoral e levou a Casa Branca. Em 2020, o atual presidente Joe Biden venceu tanto no Colégio Eleitoral como no voto popular. Desta vez, a situação se inverteu a favor do republicano.
“Quando olhamos para os demais cargos que foram disputados a nível local fica claro que o país não virou decididamente à direita, a divisão política continua e será um desafio para o futuro governo Trump, assim como foi para o presidente Joe Biden, o próprio Trump em seu primeiro mandato e também o ex-presidente Barack Obama”, afirmou o professor emérito de Ciência Política da Georgetown University (Washington), onde fundou e dirigiu o Centro de Estudios Latinoamericanos.
Indicações mais polêmicas de Trump podem ser barradas pelo Senado
Embora o Partido Republicano tenha garantido o controle tanto do Senado Federal (53 das 100 cadeiras) como da Câmara dos Deputados (219 das 435 cadeiras, sendo que essa maioria ainda pode aumentar), Trump poderá ter dificuldades em aprovar no Congresso nomes indicados para cargos centrais em seu futuro governo, sobretudo se forem considerados muito radicais e excessivamente leais a ele, assim como medidas mais extremas, como algumas defendidas por Trump durante a campanha eleitoral.
“Nem todos os senadores republicanos são trumpistas e alguns estão preocupados com as propostas e atitudes do presidente eleito. Ele não conseguirá alcançar seus objetivos tão facilmente no Congresso”, disse o convidado.
Como exemplo, Valenzuela citou a promessa feita por Trump de deportar pelo menos 11 milhões de imigrantes ilegais após assumir a Casa Branca: “Não é possível deportar milhões de pessoas de uma hora para outra porque é um processo que exige cooperação entre governo federal, estados e municípios. Trump não pode determinar a prisão de pessoas em Nova York ou Los Angeles sem entrar em acordo com as autoridades locais. Quem faria isso a seu mando? O FBI ou as Forças Armadas? Não, elas não podem ser utilizadas desta forma.”
Além disso, o cientista político alertou que deportações em massa poderiam prejudicar a economia e o mercado de trabalho norte-americano e teriam impacto nos países da América Latina cujas economias dependem em boa medida das remessas feitas por imigrantes que vivem nos EUA a seus familiares. “Se essas remessas forem cortadas abruptamente, devido a deportações em massa, a pobreza vai aumentar nos países originários dos imigrantes e o problema da imigração ilegal pode se agravar ainda mais a médio prazo”, disse.
Deep state tem tremenda capacidade de resistir ao loteamento da máquina pública
Diplomata experiente, por ter ocupado cargos importantes no Departamento de Estado (responsável pela política externa dos EUA) nos governos Clinton e Obama, Valenzuela opinou que Trump dificilmente conseguirá cumprir a promessa de ocupar áreas cruciais do governo federal, como os Departamentos de Defesa, Justiça e de Estado, com pessoas absolutamente leais a ele.
“Os ataques que Trump costuma fazer ao chamado deep state não vão ocorrer tão facilmente, pois este Estado profundo, formado por servidores de carreira que atravessam governos, tem uma tremenda capacidade de resistir”, afirmou.
“O presidente não pode demitir generais ou militares de alta patente simplesmente porque não estão alinhados com ele. Também não pode ordenar a demissão sem justa causa de funcionários dos Departamentos de Justiça, de Estado ou de agências federais, pois são órgãos que historicamente atuam de maneira independente em relação ao governo de ocasião. Se tentar fazer isso, será muito perigoso para os interesses dos EUA e provocará uma enorme resistência, mesmo entre republicanos”, disse Valenzuela.
Durante a campanha, Trump prometeu colocar pessoas absolutamente leais a ele no Departamento de Justiça, para bloquear processos em curso contra ele e perseguir rivais políticos, assim como no Departamento de Defesa e nas Forças Armadas, para reprimir eventuais protestos contra seu governo. Logo após a sua eleição, o presidente eleito de fato indicou pessoas muito próximas para os Departamentos de Justiça, de Estado e de Defesa, assim como para outras funções centrais no governo, mas essas nomeações precisam ser aprovadas pelo Senado norte-americano.
Entre os escolhidos por Trump está o apresentador Pete Hegseth, da emissora de TV Fox News, indicado para o cargo de Secretário da Defesa, o que causou preocupação por colocar no comando das Forças Armadas mais poderosas do mundo uma pessoa sem experiência e nunca testada em um cargo estratégico tão importante.
“O secretário de Defesa não precisa ser um militar experiente, pode ser um civil, mas precisa conhecer profundamente as questões relacionadas à defesa dos Estados Unidos e ser uma pessoa muito respeitada. Não é o caso. Foi uma escolha ruim, que deve enfrentar problemas, inclusive para ser confirmada pelo Senado”, afirmou.
“Por mais leal que seja a Trump, o futuro secretário de Defesa, se confirmado, não poderá demitir militares de carreira sem justificativa. As Forças Armadas dos Estados Unidos são altamente profissionais e não podem ser alvo de intervenção por razões políticas”, continuou.
Quando olhamos para os demais cargos que foram disputados a nível local fica claro que o país não virou decididamente à direita, a divisão política continua e será um desafio para o futuro governo Trump, assim como foi para o presidente Joe Biden, o próprio Trump em seu primeiro mandato e também o ex-presidente Barack Obama.
Arturo Valenzuela, professor emérito de Ciência Política da Georgetown University (Washington)
Na política externa, boas relações pessoais não são suficientes: é preciso diplomacia
Também na política externa, Valenzuela alerta que Trump enfrentará resistências dentro do corpo diplomático norte-americano, também extremamente profissional: “Trump acredita que boas relações pessoais com chefes de Estado como o presidente russo, Vladimir Putin, podem abrir caminho para resolver problemas internacionais importantes como a Guerra na Ucrânia. Mas não é bem assim. Questões internacionais devem ser resolvidas em negociações diplomáticas formais, envolvendo os diversos países interessados e também as organizações multilaterais, como a Organização das Nações Unidas, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e outras entidades.”
“Sou membro da American Academy of Diplomacy, que reúne embaixadores e diplomatas na ativa e já aposentados. Participei recentemente de um almoço da academia com cerca de 300 convidados. Nas conversas durante o encontro, ficou claro que, se Trump quiser impor uma visão e uma atitude muito radical na área de política externa, ele terá dificuldades. A visão trumpista não é tão forte assim no meio diplomático”, disse.
Segundo Valenzuela, Trump defende que os EUA devem evitar se envolver em guerras ao redor do mundo, mas, se o conflito entre Israel e o Irã se agravar, o país não poderá ficar de fora: “O ideal é que os conflitos no Oriente Médio, assim como em outras partes do mundo, se resolvam com muita diplomacia, mas, se a situação sair do controle na região e houver um conflito maior, os EUA terão de se envolver.”
O mesmo vale para a Guerra na Ucrânia e para um eventual conflito no Leste Asiático, caso a China decida realizar alguma ação militar contra Taiwan: “Em ambos os casos, os EUA devem atuar conjuntamente com seus aliados históricos e via instituições internacionais.”
Por fim, Valenzuela acredita que, mesmo na área ambiental, Trump terá um choque de realidade. “Apesar da retórica anti-ambientalista do futuro presidente, os esforços para mitigar os efeitos das mudanças climáticas vão continuar prosperando dentro dos Estados Unidos e nos fóruns internacionais. A retórica é uma coisa, a realidade é outra”, concluiu.
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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.