Debates
13 de agosto de 2024

A situação política na Venezuela: há luz no fim do túnel?

Conversamos com a socióloga Margarita López Maya, importante intelectual pública venezuelana, e o cientista político Andrés Serbin, ex-professor da Universidad Central de Venezuela.

Ao fracassar na tentativa de fraudar o resultado da eleição de 28 de julho, o presidente venezuelano Nicolás Maduro perdeu toda a legitimidade interna e até mesmo setores populares que apoiavam o regime inaugurado por Hugo Chávez em 1999 se afastaram de seu sucessor e estão convencidos de que ele foi derrotado nas urnas. Para se manter no poder, Maduro depende agora exclusivamente do apoio dos militares venezuelanos, que até o momento não deram sinal de que estejam dispostos a abandoná-lo.

O presidente Lula é o líder político estrangeiro que tem, no momento, as melhores condições para tentar costurar uma saída para a crise no país vizinho, pois mantém canais de diálogo com o governo Maduro, a oposição venezuelana e a administração Biden (EUA). O Brasil vem buscando atuar junto com a Colômbia e o México, também governados pela esquerda, na busca de uma transição negociada, mas até agora a iniciativa não trouxe resultados concretos. 

Estas foram as principais conclusões deste webinar realizado no dia 13 de agosto, 16 dias depois da eleição presidencial cujos resultados seguem em disputa, embora a oposição tenha publicado na internet cópias de cerca de 80% das atas eleitorais, que comprovariam a vitória de Edmundo González, apoiado pela principal líder da oposição, María Corina Machado, impedida de concorrer à Presidência. Na noite da eleição, o site do Conselho Nacional Eleitoral saiu do ar e, desde então, o governo se nega a entregar as atas oficiais das mais de trinta mil mesas eleitorais.

“O regime tentou levar a cabo uma fraude descomunal, fracassou e saiu muito ferido, perdendo toda a legitimidade interna. Passadas mais de duas semanas da eleição, Maduro consegue se manter no poder pela força das baionetas e uma repressão brutal. O que vai acontecer nas próximas semanas vai depender do que decidirem os militares, mas até o momento não vimos sinais de divisão dentro do Exército, que segue coeso no apoio ao regime”, disse a historiadora Margarita López Maya, importante intelectual venezuelana.

Segundo López Maya, a iniciativa mais relevante no sentido de uma transição negociada entre o regime Maduro e a oposição é a que está sendo tentada pelo presidente Lula. “Lula e Celso Amorim (seu principal assessor para assuntos internacionais) sabem que houve fraude e ainda assim o presidente brasileiro investe seu capital político para tentar convencer o venezuelano a aceitar uma transição. Lula estabeleceu um canal direto com o governo Biden e trouxe os governos da Colômbia e do México, que também são de esquerda, para reforçar sua iniciativa. Infelizmente os bons ofícios de Lula até agora não deram resultado”, disse a palestrante. Segundo notícia veiculada pela CNN Brasil no dia 14, o México decidiu deixar as negociações.

“No momento, a chave para a crise está no avanço de algum tipo de diálogo entre governo e oposição que possibilite uma transição negociada. Brasil, Colômbia e México exigiram que o governo apresente as atas eleitorais, mas até agora nada. Os EUA indicaram que podem garantir proteção a integrantes do regime que mudarem de lado, mas quem receberia essa imunidade? Há muitos interesses em jogo, as questões são complexas e não sabemos nem mesmo quem se sentaria à mesa de negociação de um lado e do outro”, explicou o cientista político Andrés Serbin, presidente-executivo da CRIES (Coordinadora Regional de Investigaciones Económicas y Sociales).

Segundo Serbin, os venezuelanos vivem hoje um estado de grande ansiedade e temor devido à repressão e ao terror praticados pelo governo Maduro nas últimas duas semanas. “Se Maduro continuar negando a vitória da oposição e decidir se aferrar ao poder, com apoio das Forças Armadas e de grupos paramilitares, ele terá de aumentar ainda mais a repressão. A Venezuela passará então a viver sob um regime autoritário pleno, sem qualquer disfarce, com impactos dentro e em torno do país difíceis de serem previstos”, disse.

“O regime tentou levar a cabo uma fraude descomunal, fracassou e saiu muito ferido, perdendo toda a legitimidade interna. O que vai acontecer nas próximas semanas vai depender do que decidirem os militares, mas até o momento não vimos sinais de divisão dentro do Exército, que segue coeso no apoio ao regime”, disse a historiadora Margarita López Maya.

Para o analista, a Venezuela vive hoje uma crise tridimensional: “Temos uma crise político-institucional, uma crise econômica-social, agravada pela corrupção maciça, e também uma crise ecológica, pois a extração de minérios e outras matérias primas em grande escala, muitas vezes feitas de maneira ilegal, está tendo um impacto devastador no meio ambiente venezuelano.”

Serbin alertou que a ideia de propor uma nova eleição, que tem sido ventilada extra-oficialmente, dificilmente seria aceita pela oposição venezuelana, calejada pelas promessas não cumpridas pelo regime Maduro. “Novas eleições? A oposição já disse que não vai admitir”, afirmou.

Alta participação dos eleitores e oposição organizada para impedir fraude surpreenderam governo

“O governo Maduro tem aspectos de um regime totalitário e, ao mesmo tempo, sultânico. Hoje apenas cinco pessoas próximas ao presidente decidem os rumos do país. É pouco provável que um governo com essas características admita deixar o poder, mesmo tendo sido derrotado nas urnas, algo que ninguém mais duvida na Venezuela”, disse López Maya. 

Segundo a historiadora, o governo foi surpreendido pela elevada participação dos eleitores e por um plano cuidadosamente armado pela oposição para acompanhar a votação e, no fechamento das sessões, garantir que suas testemunhas obtivessem cópias de cerca de 80% das atas eleitorais. Escaneadas, as atas foram divulgadas online, possibilitando que a população venezuelana e a comunidade internacional tivessem acesso a uma contagem paralela dos resultados, com resultados muito diferentes daqueles divulgados pelo governo.

“Diante da evidente fraude, a comunidade internacional se movimentou de maneira rápida e coerente para exigir transparência e verificação das atas. Maduro, no entanto, tem sócios poderosos como Rússia, Cuba, China, Irã e Turquia, que reconheceram sua vitória”, disse.

Para a acadêmica, pesquisas com grupos focais realizadas antes da eleição revelam que muitos jovens aguardavam o resultado do pleito para decidir se vão continuar vivendo no país ou irão embora em busca de uma vida melhor em outros lugares. “A permanência de Maduro na Presidência seria uma tragédia não apenas para a Venezuela, pois a crise humanitária se agravaria, assim como a pobreza e a violência, mas também para a região, pois deve provocar uma nova onda migratória para os países em torno”, disse.

A historiadora alertou para o perigo de outros líderes latino-americanos com tendências autocratas buscarem emular a fraude que houve na Venezuela para tentar se perpetuar no poder. “Na América Latina, existe atualmente um dilema que não é entre esquerda e direita, como no passado, mas entre democracia e autocracia. Se conseguir se estabilizar, apesar da fraude inquestionável, Maduro poderá se tornar um exemplo para outros candidatos a ditadores na região”, concluiu.

Projeto bolivariano iniciado por Chávez já foi atrativo, mas hoje está isolado

Segundo Serbin, que coordena uma rede de centros de pesquisa em toda a América Latina, no auge da era Chávez (1999-2013) o movimento neobolivariano criado por ele teve relativa influência e atratividade junto às esquerdas latino-americanas, mas isso mudou com a derrocada socioeconômica da Venezuela e à medida que Nicolás Maduro, sucessor de Chávez após sua morte, se consolidava no poder por vias cada vez mais repressivas e autoritárias.

“Acho pouco provável que o madurismo, diferentemente do chavismo, seja um modelo atrativo para o resto da América Latina. Com a destruição da capacidade produtiva da indústria petroleira venezuelana, o aprofundamento de uma crise socioeconômica sem precedentes e agora a fraude eleitoral deslavada, a tendência é do regime Maduro ficar cada vez mais isolado na região. Nem mesmo as relações da Venezuela com Cuba e Nicarágua vão bem”, disse.

Conexão América Latina: Venezuela entre emergências e incertezas, escrito por Margarita López Maya.

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.

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