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Debates

Gestão Portuária: o que o Brasil pode aprender com Roterdã?

/ auditório da Fundação FHC


Um complexo industrial, logístico e de serviços conectado pelo mar ao mundo e por via fluvial e terrestre ao coração da Europa. Assim o holandês René Van der Plas descreveu o Porto de Roterdã, cujas origens remontam ao século 15 e até há poucas décadas era o maior do mundo. “O mundo está mudando rapidamente e hoje os sete portos com maior volume de carga (em milhões de toneladas) estão na Ásia. Roterdã é o 8º, mas continua sendo o maior da Europa e o melhor do Ocidente”, explicou o diretor do Port of Rotterdam International (PORint) no seminário “Gestão Portuária Eficiente: o modelo de Roterdã”, realizado na Fundação Fernando Henrique Cardoso em dezembro de 2016.

“Não é tanto o hardware de Roterdã que me emociona porque equipamentos e tecnologia de ponta muitos outros portos do mundo também têm, inclusive no Brasil. O que faz a diferença é o conceito que está por trás. Tem toda uma dimensão econômica e social. A relação entre o porto e a cidade é intensa”, disse Frederico Bussinger, ex-presidente da Companhia Docas de São Sebastião (CDSS) e consultor na área de transportes.

Roterdã é um importantíssimo agente de desenvolvimento regional na Holanda e no norte da Europa. Não é apenas um equipamento de transporte.

“Roterdã só é o que é porque está totalmente inserido na comunidade da cidade de Roterdã, que além de dona das terras detém 70% das ações (os 30% restantes são do governo holandês). O porto, no entanto, precisa dar lucro e todos os investimentos são feitos com recursos próprios e de investidores privados, sem nenhum recurso originário de impostos”, afirmou Van der Plas. Dos 13 bilhões de euros (cerca de R$ 43,8 bilhões) investidos em expansão, modernização e melhorias entre 2011 e 2015, a empresa que administra o porto entrou com apenas 2 bilhões de euros. Os outros 9 bilhões de euros foram investidos por empresas parceiras que atuam e utilizam o porto (veja apresentação sobre Roterdã em Conteúdos Relacionados, à direita).

“Em Roterdã, a atividade portuária está 100% integrada com as indústrias instaladas na própria área do porto. Não há separação, como em outros lugares. Combinar atividades é mais eficiente e benéfico para todos”, disse Van der Plas. Segundo ele, as empresas compartilham recursos, serviços, infraestrutura e, com frequência, os rejeitos ou resíduos produzidos por determinada atividade industrial são aproveitados por outra. “É essencial haver alinhamento entre a empresa desenvolvedora do porto, o governo em seus diferentes níveis, as empresas que o utilizam e a comunidade”, disse o holandês. “A autoridade portuária sozinha nunca conseguiria desenvolver um complexo tão grande.”

Além das atividades relacionadas ao carregamento e descarregamento de navios de carga provenientes de todo o mundo, o complexo industrial e logístico de Roterdã inclui galpões e tanques de armazenamento dos mais diversos produtos, refinarias, indústrias químicas, bioenergéticas e alimentícias, plantas de produção de energia (carvão, gás, biocombustíveis), além de toda uma malha ferroviária, rodoviária e hidroviária e gasodutos que ligam o porto ao interior do continente europeu.

Localizado no delta dos rios Reno e Mosa (ou Meuse), que atravessam diversos países europeus como Alemanha, França (as duas maiores economias europeias), Áustria, Suíça, Bélgica e Holanda, Roterdã tem um canal de 45 km de extensão que desemboca no Mar do Norte e no Oceano Atlântico. A área total é de 12,6 mil hectares (incluindo as vias aquáticas), dividida em pelo menos sete áreas. Movimenta cerca de 465 milhões de toneladas por ano, mais do que o dobro do segundo maior porto europeu, em Antuérpia (Bélgica), e três vezes mais do que o Porto de Hamburgo (Alemanha). Em TEUs (medida relativa ao volume de contêineres), Roterdã está em 11º lugar no mundo.

Segundo Van der Plas, o governo central da Holanda e o governo local de Roterdã dão as diretrizes gerais e de longo prazo, mas o porto é administrado como um negócio por uma companhia independente, responsável pelo desenvolvimento de todo o complexo, segurança, autorização de serviços marítimos e cobrança de taxas dos navios que utilizam o porto. As diversas áreas, terminais e infraestrutura são cedidas por meio de leasing a empresas privadas e indústrias, que produzem bens e prestam serviços.

        Desarticulação

Enquanto em Roterdã, todas as atividades estão plenamente integradas e sob comando articulado, no Brasil a separação de funções, responsabilidades e atividades é a regra. “Existe um desencontro muito grande. Temos a turma do porto, da ferrovia, da rodovia, e elas pouco conversam entre si”, explicou Fernando Bussinger.

“As tribos da produção, da logística e da mobilidade planejam e realizam suas atividades separadamente, como se não dependessem umas das outras. No Brasil, não há metas e projetos comuns às diversas áreas envolvidas”, disse. Também no governo há muita bateção de cabeça entre as autoridades alfandegárias, sanitárias, ambientais e de transporte. “Cada uma tem sua própria legislação, até mesmo com capítulos diferentes na Constituição, e se remete a um ministério diferente. É um caos”, afirmou.

O especialista e consultor brasileiro também criticou a concentração de decisões em Brasília. “Em Roterdã, quase tudo é resolvido localmente, com muito pouca interferência do governo central. Aqui tudo vai para Brasília. O Brasil precisa fazer uma lipoaspiração nos processos decisórios. É preciso devolver autonomia aos portos e às cidades que os abrigam”, disse. Segundo Bussinger, essa descentralização é uma decisão puramente administrativa, não é necessário mudar nenhuma lei. A corrupção, segundo ele, é um capítulo à parte.

Bussinger também criticou o processo de licenciamento ambiental. “Na Holanda, a autoridade ambiental participa dos projetos de infraestrutura desde o início para que eles já nasçam bem nascidos. Não espera para aprovar ou rejeitar depois que a coisa já está andando. E, quando há algum dano ambiental, estabelecem-se compensações e mitigações”, disse.

Mas, segundo o brasileiro, o Brasil já mostrou que é capaz de realizar grandes mudanças: “Na segunda metade da década de 90, o porto de Santos passou por uma grande transformação, a produtividade de embarque/desembarque cresceu até 15 vezes, as filas de navio, antes de até seis semanas, praticamente desapareceram e os custos caíram em até dois terços, enquanto a movimentação mais que duplicou. É preciso rumo e pé no chão.”

        Disrupções e desafios

Assim como acontece em diversas outras áreas, a atividade portuária enfrenta disrupções e grandes desafios tanto no presente quanto no futuro. “Muitas mudanças estão acontecendo de maneira bastante rápida e, em 20 ou 30 anos, a indústria portuária será totalmente diferente. Para continuar no jogo e manter nossa relevância, precisamos nos modernizar e inovar constantemente”, disse Van der Plas. A seguir, alguns dos principais desafios que o Porto de Roterdã tem pela frente.

       1. Aquecimento global e meio ambiente - Embora atualmente mais de 50% da atividade de Roterdã ainda esteja relacionada ao petróleo e seus derivados, os responsáveis pelo porto estão atuando para reduzir essa dependência, estimulando a instalação de biorrefinarias e novas indústrias bioenergéticas no complexo e investindo no uso de energia solar, eólica e de outras fontes renováveis. “Criamos um instituto e fazemos cada vez mais pesquisa científica aplicada, junto com a universidade e o governo, para diversificarmos as atividades e nos tornarmos mais eficientes, emitir menos poluição e gás carbônico, cortar custos e reduzir nosso impacto ambiental”, afirmou o diretor do Port of Rotterdam International.

       2. Navios cada vez maiores e investimento em TI (tecnologia da informação) - Segundo o especialista holandês, o aumento de tamanho dos navios nos últimos anos, alguns deles com 400 metros de comprimento e quase 60 metros de largura, tem enorme impacto na infraestrutura necessária para o bom funcionamento do Porto de Roterdã. “Tudo tem que acontecer de forma muito coordenada, eficiente e rápida para conseguirmos receber esses grandes navios. A chave está em utilizar cada vez mais TI”, afirmou. Como exemplo dessa tendência irreversível, Van der Plas citou as gruas operadas a distância. “Hoje os guindastes são operados por computador de nosso escritório. Jovens de 18 anos a 20 e poucos anos acostumados a jogar videogames aprendem a operar essas gruas com muito mais rapidez e sucesso”, disse.

       3. Cadeias globais e acirramento da concorrência - O comércio global também está passando por grandes transformações, com as novas cadeias globais de produção e a entrada em vigor de novos tratados internacionais. Ao mesmo tempo, a concorrência entre os portos está crescendo, com players como China, Singapura e outras potências asiáticas assumindo a liderança mundial. Recentemente a China lançou o projeto “One Belt, One Road”, que pretende conectar o país por terra e mar à Europa, Oriente Médio, Sudeste Asiático, África e Oceania. Os chineses também estão investindo em portos na Grécia e em outros países. “Roterdã é hoje o maior porto chinês fora da China, pois boa parte da carga que vem ou vai para lá passa pelo nosso porto. Portanto, o projeto ‘One Belt, One Road’ e a importância cada vez maior da China representam desafios, mas também trazem oportunidades. Precisamos saber como lidar com essas mudanças e transformá-las em algo positivo”, disse.

       4. Novas alianças e internacionalização da atividade portuária - Segundo Van der Plas, a atividade portuária passa por profunda reestruturação, com portos se fundindo, fazendo alianças, uns comprando outros e investindo em portos de outros países. Roterdã é um dos líderes de uma iniciativa chamada “World Port Network”, que visa criar uma rede de portos na Europa, Indonésia (situada entre o Sudeste da Ásia e a Oceania), América Latina, Oriente Médio e Caribe. O porto holandês tem 50% de participação no novo porto de Sohar, situado no Sultanato de Oman (Península Arábica), cujo movimento de carga cresceu de 4 milhões de toneladas para 45 milhões de toneladas desde 2007. “Diversos países em desenvolvimento estão ganhando cada vez mais relevância global, mas frequentemente não têm know how para desenvolver e administrar um porto. Podemos ajudar”, disse o palestrante holandês.

       5. Investimentos no Brasil - Por aqui, o grande porto holandês tem 30% de participação no futuro Porto Central, no Espírito Santo, um complexo industrial portuário nos moldes de Roterdã que atenderá principalmente à demanda dos Estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, São Paulo, Rio e Espírito Santo, onde vivem mais de cem milhões de pessoas/consumidores. O início das operações está previsto para 2020. “Com mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil é um imenso mercado consumidor e grande exportador de produtos agrícolas e matérias primas. É um país com muito potencial e precisa de portos modernos e eficientes. Representa uma grande oportunidade para nós”, disse o holandês.

“Estamos fazendo esses investimentos por nós e por nossos clientes ao redor do mundo, que também precisam desenvolver suas economias. Afinal, a melhor maneira de criar oportunidades para si próprio é criar oportunidades para os outros. Os benefícios serão para todos”, disse René Van der Plas, ao final de sua exposição.

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Otávio Dias, jornalista, é especializado em questões internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.        

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