Ir para o conteúdo
Logotipo do FFHC Menu mobile

/imagens/12/34/pdt_bnn_11234.JPG

Debates

Plano Nacional de Educação: avaliando seus objetivos

/ auditório da Fundação FHC


Plano Nacional de Educação: crise torna inviável atingir todas as metas

“A meta de gastar 10% do PIB com educação até 2024, conforme previsto no PNE, é simplesmente impossível.” – Mansueto Almeida Jr., economista.

O Plano Nacional de Educação é um conjunto de 19 metas que depende da vigésima: a expansão dos gastos com educação para 10% do Produto Interno Bruto brasileiro. No entanto, a atual crise econômica e fiscal inviabiliza tal aumento percentual, que provavelmente terá de ser revisto.

A afirmação acima, que já havia sido feita pelo ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, foi repetida em evento na Fundação FHC pela socióloga Maria Helena de Castro, diretora-executiva da Fundação SEADE. Janine Ribeiro, respeitado professor de filosofia e ética política da Universidade de São Paulo, ficou apenas cinco meses no cargo no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, mas acabou exonerado em reforma ministerial cujo objetivo foi recompor a base de sustentação do governo federal.

“Diante do atual cenário de restrição, deveríamos pensar em repactuar o PNE? Adianta continuar a bater na mesma tecla das 20 metas que já sabemos que não conseguiremos cumprir?”, disse Maria Helena durante o evento Plano Nacional de Educação: uma avaliação de seus objetivos, instrumentos e possibilidades de financiamento. O segundo PNE (Lei 13.005/14) foi aprovado pelo Congresso há cerca de um ano e meio e sancionado em junho de 2014 por Dilma.

“A meta de gastar 10% do PIB com educação até 2024, conforme previsto no PNE, é simplesmente impossível. Não vamos atingi-la e ainda corremos o risco de o gasto em educação, enquanto percentual do PIB, cair”, afirmou o economista Mansueto Almeida Jr., pesquisador licenciado do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Já a socióloga Maria Alice Setubal, conhecida como Neca Setubal, concentrou sua fala na importância de reduzir as desigualdades existentes no sistema educacional brasileiro. “Essa desigualdade acontece em diferentes níveis. Temos desigualdades entre as regiões do país, entre campo e cidade, entre o centro das cidades e as periferias, entre ricos e pobres e diferenças étnicas”, explicou.

“No ensino fundamental (6-14 anos), o Brasil está perto da universalização do acesso, mas 57% dos alunos de escolas públicas vêm de famílias que recebem o Bolsa Família, ou seja vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza”, disse Neca. No Norte e no Nordeste, apenas 78% dos jovens de 15 a 17 anos (ensino médio) vão à escola. Mesmo no Sudeste, este percentual é de 85%. E muitos jovens dessa faixa etária que estão na escola não estudam nas séries do Ensino Médio, como deveriam, acrescentou.

Neca, que é coordenadora de Educação para a América Latina pelo Unicef, defendeu ações afirmativas focadas em escolas situadas em áreas de alta vulnerabilidade social: “Isso tem um custo e não aparece politicamente no curto prazo, só no médio e longo prazos. Falamos muito na questão da qualidade em suas diferentes dimensões, mas, se não encararmos os desafios das desigualdades educacionais, não vamos dar um salto na qualidade de nossa educação.”

Segundo os participantes, que apresentaram grande quantidade de dados e estatísticas, o PNE — aprovado por unanimidade pelo Congresso após diálogo com especialistas de várias áreas e associações de classe, tanto de professores como de outros profissionais sistema educacional — estabelece metas muito ambiciosas. Diante da crise pela qual passa o país, será necessário priorizar algumas delas.

“Não sei se é o caso de repactuar o plano, inclusive porque não há condições políticas neste momento. Mas, gostemos ou não, teremos de fazer mais com menos. Precisaremos melhorar a gestão, assim como pensar em maior transparência e controle social das políticas públicas”, defendeu Neca Setubal.

“Temos um cenário que nos obriga a traçar estratégias que garantam o direito à educação estabelecido pela Constituição, sobretudo a educação básica, a diminuição das desigualdades e a melhoria da qualidade, mas com muito bom senso porque, se quisermos tudo, não vamos chegar a lugar nenhum”, afirmou Maria Helena de Castro, para quem algumas metas do PNE resultam de demandas corporativas.

“Remuneração é importante para atrair profissionais melhores e mais comprometidos com a carreira docente, mas há um problema anterior, que é a Política Nacional de Formação de Professores. Várias pesquisas mostram que não temos no Brasil uma formação de professores que dialogue com a rede de escolas públicas. Há uma inadequação dos currículos de formação de professores, com pouco foco na prática, tanto nas universidades públicas quanto privadas”, disse Maria Helena, ex-secretária de Educação de São Paulo (2007-2009) e membro do Conselho Estadual de Educação.

“O debate precisa ir para um plano mais realista, sem perder de vista os objetivos do futuro. Porque nos próximos dois ou três anos vamos ter de apertar o cinto e, se isso não for feito com um mínimo de consenso, será pior”, afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já quase ao final do encontro.

Programas sociais vs. gastos com educação

De acordo com Mansueto Almeida Jr., desde o início dos anos 1990 até hoje, independentemente dos governos, houve crescimento elevado do gasto público, explicado essencialmente pela implementação de direitos definidos pela Constituição de 1988. Durante boa parte deste período, só foi possível aumentar gastos com responsabilidade fiscal porque houve aumento da carga tributária e, nos anos de maior crescimento econômico, de arrecadação. Mas isto acabou.

Segundo o economista, a despesa primária (tudo o que o governo central gasta sem incluir pagamento de juros) passou de 11% do PIB em 1991 para 20% do PIB em 2014, aumento semelhante ao da carga tributária em pontos percentuais do PIB. Esta expansão se explica principalmente pela ampliação de programas de transferência de renda como as diversas bolsas, entre elas a Bolsa Família, assistência social (LOAS), seguro-desemprego e abono salarial.

“Nos diversos governos pós-Constituição de 1988, a prioridade foi o gasto social, especialmente os programas de transferência de renda, não incluindo gastos com saúde e educação”, disse o economista. Segundo ele, os diversos programas de transferência de renda respondem pelo crescimento de seis pontos dos nove pontos percentuais do PIB, ou 68% do aumento da despesa primária (o crescimento o gasto com a aposentadoria de funcionários públicos explica outros 12% do aumento da despesa primária entre 1991 e 2014).

De acordo com o palestrante, também houve expansão dos gastos federais com educação nos últimos anos, mas não associada à educação básica, melhoria da qualidade e gestão mais eficiente. “Nos últimos anos, o governo triplicou os investimentos em escolas técnicas e profissionalizantes, com resultados ainda desconhecidos na melhoria da mão-de-obra, e em universidades federais. O que aconteceu em seguida? Cresceu o gasto permanente com custeio e pessoal”, disse.

Segundo ele, de 1997 a 2007, o número de funcionários ativos do Ministério da Educação aumentou apenas 3.000. De 2007 a 2014, cresceu 90 mil. “De 2010 a 2014, o gasto do governo federal com educação foi de 8% do PIB ao ano (em 2006, era de 4%), enquanto o crescimento da economia foi de 2% em média. A despesa que mais cresceu foi custeio: 11% nos últimos quatro anos. Está muito claro que o gasto com educação foi prioridade, mas a questão é para onde foi o dinheiro e quais foram os resultados?”, questionou.

Com a perspectiva de queda do PIB de pelo menos 3% em 2015 e algo semelhante no ano que vem, a arrecadação de impostos continuará a cair e, consequentemente, os recursos para a educação também serão reduzidos.

Para complicar ainda mais o quadro, a maior parte dos programas de transferência de renda, com exceção do Bolsa Família, é indexada ao salário mínimo que, por sua vez, é parcialmente corrigido pela inflação, que deve ultrapassar 10% em 2015. Quanto mais alta a inflação, maior o gasto com esses programas. Já os gastos com educação estão atrelados ao PIB, que vai cair durante pelo menos dois anos seguidos.

“Chegamos a um ponto em que, para poder gastar mais com educação, o governo terá de rever os orçamentos de outros programas sociais”, disse o economista. Sem falar nos gastos com saúde e previdência social, com tendência de forte aumento devido ao rápido envelhecimento da população brasileira.

“Se, por um lado, mais recursos não resultam automaticamente em melhor qualidade, os exemplos conhecidos de melhoria de qualidade em geral implicam aumento de gastos. E não conheço nenhum caso de melhora na educação com redução de gastos. Então onde e como é possível economizar? Sinceramente não sei, mas precisaremos fazer mais com o que temos. ”, afirmou Mansueto Almeida Jr. ao final de sua apresentação.

Risco de prisão

Entre as medidas polêmicas que devem ser estudadas num contexto de severa restrição orçamentária, segundo os participantes, está a diferenciação de remuneração de acordo com horas de trabalho e metas de desempenho. Também se falou em melhor distribuição dos recursos para a educação entre os diversos níveis de ensino e no fim do ensino superior gratuito em universidades públicas para todos os estudantes, independentemente de condição social.

“O Brasil é o único país do grupo dos BRICS que não cobra mensalidade no ensino superior público. China, Rússia, Índia e África do Sul cobram, assim como países desenvolvidos como Reino Unido e EUA. Somos tão ricos assim? Se não temos dinheiro para aumentar o salário do professor do ensino básico, por que meu neto que estuda em uma universidade pública não deveria pagar um pouco?”, perguntou Maria Helena de Castro.

“Quando proponho um novo pacto, penso em evitar que alguém venha a ser preso por descumprir as metas definidas pelo PNE. Em Maceió, por exemplo, a secretária de Educação está apavorada porque a cidade só tem duas pré-escolas para crianças de 4 ou 5 anos e o Ministério Público já a ameaçou de prisão”, contou Maria Helena. Segundo o PNAD, faltam quase 3 milhões de vagas em creches no país. Os orçamentos municipais não têm verba para criá-las.

“Vivemos uma grave crise, mas, se educação é prioridade neste país, o corte de gastos não pode ser linear e igual para todas as áreas. Este é um dilema de toda a sociedade, que precisa discutir profundamente onde, como e de que maneira cortar. Do contrário, será muito difícil conseguirmos ter uma educação de qualidade”, afirmou Neca Setubal.

Otávio Dias, jornalista, é especializado em política e assuntos internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do site estadao.com.br e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.

Mais sobre Debates