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Debates

Quarta Revolução Industrial - O Brasil vai perder esse trem?

/ auditório da Fundação FHC

 
"O Brasil já perdeu o bonde da competitividade absoluta e deve focar na relativa, priorizando investimentos em tecnologia e inovação onde já somos capazes em relação a outros países."

Jorge Arbache, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento do Brasil

"Hoje as ideias que fazem diferença surgem mais nos 'hackatons' que nos centros de pesquisa das universidades e acoplam produtos e serviços para criar novos modelos de negócio."

João Gomes de Oliveira, engenheiro e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências

"Das 3.000 startups brasileiras, há enorme concentração no agronegócio, que se torna cada vez mais uma cadeia que une produção agrícola, indústria e serviços. O progresso está aí."

José Roberto Mendonça de Barros, economista e consultor empresarial

O Brasil já está atrasado na incorporação de conceitos e tecnologias da chamada indústria 4.0 ou Quarta Revolução Industrial, e, no que diz respeito a investimentos em tecnologia e inovação, deve concentrar seus maiores esforços em setores nos quais já possui vantagens competitivas reveladas ou maior potencial de desenvolvimento. Foi este o consenso entre os participantes do seminário “Quarta Revolução Industrial: o Brasil vai perder este trem?”, realizado na Fundação FHC.

“Perdemos o bonde da competitividade absoluta (custos gerais de produção mais baixos) para China e outros países da Ásia. O importante agora é reforçarmos nossa competitividade relativa em setores onde já temos alguma musculatura e somos capazes de competir em boas condições”, afirmou o economista Jorge Arbache, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento.

Isso quer dizer que o país deve apostar em agregar valor à cadeia do agronegócio, setor em que já é líder mas que passa por grandes transformações (saiba como foi o seminário “Pesquisa e inovação no agronegócio: ‘nova onda ou ficar para trás?’”), assim como em áreas ligadas à sustentabilidade,  como energia renovável (eólica, solar etc.) e biocombustíveis. Está bem posicionado no nicho da aviação de médio porte, por causa do êxito da Embraer, e tem ampla experiência na exploração de petróleo e gás em águas profundas. Também existe espaço para inovar no setor financeiro (com as 'fintechs') e na área da saúde, afirmou o economista.

“Uma coisa é fato: a indústria brasileira tradicional desmoronou. Não adianta colocar cereja em cima de um bolo que já murchou”, concordou o engenheiro João Fernando Gomes de Oliveira, professor da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP) e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências.  Oliveira elogiou, no entanto, o potencial criativo dos jovens empreendedores brasileiros: “Hoje as ideias que fazem diferença surgem mais nos 'hackatons' que nos centros de pesquisa das universidades e acoplam produtos e serviços para criar novos modelos de negócio que envolvem big data, internet das coisas, inteligência artificial etc.”

Das cerca de 3.000 startups brasileiras, a grande maioria está concentrada no agronegócio, onde o progresso tecnológico está “endogeneizado”, disse o consultor José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (Governo FHC). Nessa cadeia produtiva, que envolve produção agrícola e pecuária, assim como a indústria alimentícia e de insumos e defensivos, a agenda de pesquisa e inovação está sendo constantemente renovada pelo próprio mercado, em parceria com universidades e centros de pesquisa, “sem depender das benesses do governo”.

O conceito de indústria 4.0 se originou de um projeto estratégico de alta tecnologia do governo e da indústria alemã. Para saber mais, leia o livro “A Quarta Revolução Industrial”, de Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial.

     ‘Plataformas de serviços em rede’   

Embora tenha deixado claro que não acredita na indústria 4.0 como panacéia para os muitos males da manufatura brasileira e defenda foco na “competitividade relativa”, Arbache alertou para o risco de uma especialização excessiva, pois obviamente o país não pode abrir mão de sua indústria mais tradicional, ainda que ela se encontre em crise há muitos anos. 

Segundo o secretário, “atualmente não é ter uma fábrica super robotizada e moderna que faz a diferença, pois todo mundo pode ter isso, e sim desenvolver e disponibilizar a plataforma que gere essa fábrica, cobrando bem por tal serviço”. Isso sim cria “uma mega assimetria em favor das empresas proprietárias dessas plataformas”, disse. Arbache destacou a importância de o país ser co-partícipe da fronteira de desenvolvimento dessas plataformas digitais multiuso.

        Sustentabilidade

Oliveira citou ‘novos drivers tecnológicos’ como os carros elétricos e a manufatura aditiva ou impressão 3D. “As estações tipo faz tudo -- que utilizam materiais leves (como fibra de carbono, que existe em grande quantidade na natureza), produzem pouco lixo e necessitam de quase nenhuma mão-de-obra -- estão chegando com tudo no mercado e fabricarão até aviões. A era em que os metais eram a base da indústria está no fim. Por isso, as novas políticas protecionistas anunciadas por Donald Trump nos EUA são um equívoco”, disse.

“Na China, o crescimento econômico já não é mais movido pela construção de infraestrutura (estradas, ferrovias, portos e aeroportos), mas pela preocupação com a sustentabilidade”, disse Oliveira. Apenas em Shenzhen (uma das maiores cidades chinesas) 16 mil ônibus elétricos circulam pelas ruas. Até 2020, 5% dos veículos na China serão elétricos, dez anos depois chegarão a 30%, relatou.

“Um carro com motor a combustão tem de 10 mil a 30 mil peças enquanto um carro elétrico é muito mais simples, tem apenas cerca de 200 elementos. A indústria automotiva tradicional está fadada a desaparecer e isso vai acontecer mais rápido do que se pensa”, afirmou.

O engenheiro destacou também a internet das coisas -- “em 2020, teremos 50 bilhões de dispositivos conectados entre si” -- e a big data -- “por meio do celular, é possível monitorar tudo que cada pessoa faz, o que precisa e o que pretende fazer” -- como novas fronteiras da inovação.

“Não faz mais sentido o Brasil apostar em produzir chips ou smartphones, mas sim em criar novos serviços que funcionam em torno dos smartphones, como o Uber, um serviço disruptivo que fez enorme sucesso no mundo todo ao explorar o cansaço das pessoas com os táxis tradicionais, caros e ineficientes. São os jovens que têm capacidade de inventar coisas que mudam tudo”, disse.

Assim como Arbache, Oliveira destacou que o que mais tem valor hoje em dia é o produto acoplado ao serviço e vice-versa. “A indústria não deve se preocupar tanto em vender o equipamento, mas sim toda uma gama de serviços acoplados a ele”, explicou. Veja sua apresentação, com grande quantidade de informações e dados (na seção Conteúdos Relacionados, à direita desta página).

       ‘A cidade não percebe a revolução que acontece no campo’

Mendonça de Barros citou pesquisa recente da CNI (Confederação Nacional da Indústria) que mostrou que apenas 1,5% de 900 empresas avaliadas declararam utilizar tecnologias relacionadas à indústria 4.0. “Cerca de 40% delas não têm nada e, com a crise econômica (iniciada em 2014), esse processo atrasou ainda mais. Podemos contar nos dedos as empresas que são líderes industriais e temos um número significativo de ‘empresas zumbis’, com passivos enormes e que travam o mercado de crédito, como, por exemplo, diversas empreiteiras sem futuro visível”, disse.

O economista também elogiou a “revolução que está acontecendo no campo e é pouco percebida no meio urbano”. Fundadas por jovens, bem formados e talentosos, com experiência aqui e no exterior, as startups do agronegócio estão focadas em desenvolver novas ferramentas, que juntam em uma só cadeia produção, serviço e indústria. Como exemplo, ele citou equipamentos que analisam planta por planta e, então, determinam qual a quantidade de adubo ou defensivo que cada muda deve receber.   

“É a agricultura de precisão que garantirá a evolução, ao integrar equipamentos e plataformas digitais e tudo isso conectado à internet, cujo qualidade, baixo preço e confiabilidade aumentaram muito nas áreas agrícolas, devido aos satélites de baixa altitude. É fácil transferir uma fábrica de roupa para qualquer outro lugar do mundo, mas não dá para levar sol, terra e água, recursos fartos por aqui”, disse.

Segundo o consultor, também há potencial na área da saúde, pois o país tem excelentes médicos e bons hospitais, assim como em mobilidade e no setor financeiro (com as chamadas ‘fintechs’). “Fora isso, há poucas empresas brasileiras com capacidade de competir no exterior; a Embraer (em processo de fusão com a Boeing) é uma delas”, lembrou.

“Estamos no fim de uma era, o que também representa uma oportunidade. Por isso, a sucessão presidencial é tão importante. Se o próximo governo não atrapalhar, já será um grande avanço”, afirmou o consultor empresarial.

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Otávio Dias, jornalista, é editor de conteúdo da Fundação FHC. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.

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