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Política indigenista sob nova liderança: O significado e o alcance da mudança

/ Transmissão online - via Zoom


O lugar do homem e da mulher indígena é onde ele ou ela quiser estar. Esta frase é o melhor resumo deste webinar que reuniu uma das mais renomadas antropólogas brasileiras, Manuela Carneiro da Cunha, e o indigenista Marcos Wesley, que há muitos anos trabalha com o povo Yanomami na Amazônia. Também convidado, o advogado Luiz Eloy Terena, secretário executivo do Ministério dos Povos Indígenas, não pôde comparecer devido a um compromisso de última hora.

“Em primeiro lugar, gostaria de fazer uma ressalva ao título deste debate. O Brasil há muito tempo tem uma ‘política indigenista’, mas agora chegou a hora de termos uma ‘política indígena’, pensada e colocada em prática pelos indígenas. Em seu marcante discurso de posse, a ministra Sônia Guajajara afirmou com todas as letras: ‘Este Ministério chega comprometido com a promoção de uma política indígena, não mais uma política indigenista, com o potencial de fazer frente às mazelas que tomaram nossos corpos, memórias e vidas’. É uma mudança muito significativa e é essencial que seja bem sucedida”, disse Wesley, coordenador do Programa Rio Negro, do Instituto Socioambiental (ISA).

“A Constituição Federal de 1988 deu início a uma revolução ao abolir a tutela que, por muitas décadas, havia sido usada para reprimir e roubar os povos indígenas. Historicamente, os principais inimigos dos índios brasileiros foram justamente seus ‘tutores’, e a Funai não fugiu à regra. Ao determinar que as comunidades e organizações indígenas são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, o artigo 232 foi um divisor de águas”, disse Carneiro da Cunha, professora titular aposentada da Universidade de São Paulo (USP), emérita da University of Chicago.

A pedido do mediador Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC, a antropóloga fez um breve resumo histórico das políticas para os povos originários desde a chegada dos portugueses, passando pelo Brasil Colônia, o Império e a República, até os dias de hoje (assista ao vídeo do debate na íntegra). 

“Não tenho dúvida de que a criação do Ministério dos Povos Indígenas pelo presidente Lula representa um marco na composição do Estado brasileiro. É também resultado da intensa mobilização dos povos originários, que se tornam cada vez mais visíveis e não vão recuar”, disse a palestrante. 

Um dos principais nomes da antropologia brasileira, Carneiro da Cunha produziu dois livros essenciais sobre o assunto: “História dos Índios no Brasil” (Companhia das Letras, 1992), como organizadora; e “Índios no Brasil: História, Direitos e Cidadania” (Companhia das Letras, 2012), como autora.

Povos originários apontam caminhos para enfrentar a mudança climática 

“Felizmente a antiga ideia de integração dos indígenas à civilização está vivendo seus últimos suspiros. Em outros países e também no Brasil, o que há de forte e interessante é a crescente conscientização de que os conhecimentos dos povos originários são fundamentais para o futuro do planeta, ameaçado pela urgência climática. Isto é realmente novo e tem um grande potencial de transformação”, disse Wesley.

Segundo o ativista, pouco a pouco aumenta o reconhecimento de que a cultura e o modo de viver dos povos originários podem nos dar pistas de como reformar nossas sociedades, tornando-as menos imediatistas e consumistas, e assim encontrarmos um caminho para lidar com o aquecimento global, reduzindo suas causas e mitigando seus efeitos.

“Os povos originários nos ensinam que, para vivermos em harmonia com a natureza e a Terra, é preciso eliminar a ideia de centralidade ou superioridade dos humanos em relação aos outros seres vivos e não vivos. Nós não somos mais ou melhores nesse mundo diverso de seres”, continuou o palestrante.

“Desculpem-me os crentes, mas o Livro do Gênesis nos impôs uma maldição, ao colocar a humanidade como beneficiária de todo o resto da criação. A etnografia dos yanomamis, por exemplo, revela que eles têm plena consciência de que os direitos sobre seu território são compartilhados com todos os outros seres que lá habitam, animados e não animados. Recentemente, o povo Maori (habitantes originais da Nova Zelândia) decidiu que os rios são pessoas jurídicas. Estamos aprendendo muito com os povos tradicionais”, afirmou Carneiro da Cunha.

“Já está provado, como mostram diversos artigos científicos, que a demarcação dos territórios indígenas tem grande impacto sobre a conservação e até mesmo o aumento da biodiversidade dentro dessas reservas. A conservação do habitat e da cultura das populações originais é fundamental para o futuro do nosso planeta”, disse a integrante da Academia Brasileira de Ciências.

Para conhecer mais da cultura yanomami, a antropóloga indicou a leitura do livro “A Queda do Céu - Palavras de um xamã yanomami”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert (Companhia das Letras, 2015). 

Soberania nacional só será alcançada quando indígenas viverem bem

Wesley lembrou que, de alguns anos para cá, muitos jovens indígenas cursaram a universidade e se tornaram médicos, advogados, enfermeiros etc. “Isso só aconteceu devido à luta de muitas lideranças pela criação de escolas nos territórios indígenas, que ensinam as crianças sobre a sua cultura e também sobre o mundo dos brancos. A política de cotas para indígenas também foi essencial e precisa ser mantida e ampliada”, disse. 

Ele destacou a eleição da primeira mulher indígena para a Câmara dos Deputados, em 2018: “A deputada Joênia Wapichana fez um mandato extraordinário e mostrou quão necessário é ‘aldear’ o Congresso. A partir de agora, à frente da Funai, dará seguimento a esse trabalho de suma importância.” 

“Com a posse de Lula, lideranças indígenas passaram a ocupar cargos de grande relevância no governo federal, o que é uma ótima notícia. O Brasil só será um país soberano quando os povos originários forem devidamente respeitados e viverem bem, com dignidade e tranquilidade, em seus territórios ou fora deles. O lugar do homem ou da mulher indígena é onde ele ou ela quiser estar”, concluiu Wesley.

Conheça o projeto Linhas do Tempo (1985-2018):

Povos indígenas: protagonismo na luta por preservação de suas terras e cultura

 

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

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