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Causas e consequências das bruscas oscilações políticas no Chile

/ Transmissão online - via Zoom


Após uma tentativa fracassada de praticamente “refundar” o Estado chileno, levada adiante durante a Convenção Constitucional do Chile (2021-22) por grupos, movimentos e partidos representantes de um pensamento de esquerda mais radical, o Chile vive hoje uma “ressaca conservadora”, que pode resultar em retrocessos em temas importantes como a garantia dos direitos indígenas, das mulheres e a defesa do meio ambiente, entre outras. 

Por outro lado, as forças políticas tradicionais – incluindo partidos de esquerda, centro e direita, governo e oposição – se puseram de acordo nos últimos meses para construir uma saída institucional à crise surgida após o referendo de setembro de 2022, quando mais de 60% dos chilenos rejeitaram a proposta de nova Constituição, jogando o país num período de incerteza.

Essa saída institucional passará por uma segunda tentativa de redigir uma nova Constituição, desta vez por um Conselho Constitucional, com 51 membros ligados a partidos políticos – na convenção anterior, eram 155, boa parte deles independentes. 

Na eleição realizada em 7 de maio de 2023 em que os chilenos escolheram os membros deste Conselho, o Partido Republicano de José Antonio Kast – líder da direita radical derrotado por Gabriel Boric (atual presidente, de esquerda) na disputa para a Presidência do Chile em 2021 – obteve 35% dos votos válidos, conquistando 22 das 51 cadeiras. Com isso, o grupo de Kast garante o poder de veto dentro do órgão e a possibilidade de se aliar à tradicional direita chilena, que terá 11 assentos, o que deve resultar em uma proposta de Constituição mais conservadora do que se imaginava anteriormente.

“Em menos de quatro anos, nós, chilenos, passamos por todas as etapas da Revolução Francesa (1789-1799), felizmente sem recorrer à guilhotina”, disse o sociólogo Eugenio Tironi, professor da Escuela de Gobierno UC (Pontificia Universidad Católica de Chile), ao descrever, com um  toque de ironia, o período de intensa turbulência política iniciado em outubro de 2019, quando uma onda de protestos tomou conta de Santiago e outras cidades do país, conhecida como estallido social.

“Nos últimos anos, o Chile vive como um pêndulo, ora oscilando para o polo da esquerda, ora para o polo da direita, enquanto a centro-esquerda e a centro-direita que governaram o país desde o fim da ditadura Pinochet (1973-1990) perderam musculatura política”, explicou Ignacio Walker, que foi senador (2010-2018), ministro das Relações Exteriores (2004-2006) do Chile e presidente do Partido Demócrata de Centro (PDC). 

A lista Unidade para o Chile, que reúne os partidos de esquerda que apoiam o presidente Boric, ficou em segundo lugar na votação, com 28% dos votos válidos, e terá apenas 17 cadeiras no Conselho — para que tivessem poder de veto no processo de elaboração da nova Carta, precisariam de pelo menos quatro representantes a mais. 

Durante esta webinar sobre o cenário político chileno realizado pela Fundação FHC, Ignacio Walker e Eugenio Tironi responderam a perguntas feitas pela cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) e do Instituto de Relações Internacionais (IRI-USP), e pelo cientista político Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC.

Classe política buscou saída institucional para impasse

Como uma forma de evitar que o novo processo constituinte fracasse novamente, um anteprojeto já foi discutido e aprovado unanimemente por uma comissão de especialistas, formada por 24 membros de todos os partidos com assento no Congresso Nacional do Chile. Além disso, um comitê de admissibilidade formado por 12 renomados juristas avaliará se alguma proposta afronta princípios basilares da tradição constitucional chilena. O novo texto será submetido a referendo em dezembro deste ano.

“O Conselho Constitucional será soberano, mas redigirá a nova Carta dentro de um escopo mais definido. É um desenho bastante notável, que permitirá processar politicamente a redação da nova Carta, dando uma saída institucional para o impasse político que se estabeleceu nos últimos anos”, disse Walker.

“De fato, a classe política mais tradicional demonstrou uma inteligência política extraordinária para encontrar uma saída após o trauma da rejeição da primeira proposta de Constituição”, disse Tironi. O sociólogo lembrou, no entanto, que a recente reviravolta política “tirou a alma” da esquerda e deverá ter impacto no governo Boric.

“Não se fala mais em direitos indígenas, direitos das mulheres, em economia verde, temas que pareciam centrais no debate político há pouco tempo. Neste momento, segurança pública é o principal tema da agenda pública, devido ao aumento da violência e da imigração ilegal no país”, disse Tironi.

Apesar da polarização entre a direita, que terá maioria no Conselho Constitucional, e a esquerda, que ocupa o Palácio de la Moneda (sede do governo chileno, em Santiago), ambos os analistas políticos acreditam que a disputa política entre esses dois polos será caracterizada por uma certa moderação até 2025, quando ocorrerá a próxima eleição presidencial no país. 

“Para ter sucesso em sua nova tentativa de chegar à Presidência do Chile, que é seu objetivo maior, Kast precisa conquistar 50% dos votos mais um e, para isso, precisa atrair votos da direita mais tradicional e do centro. Por isso, não interessa a ele dar uma guinada populista e autoritária”, disse Walker.

Já o atual presidente chileno, Gabriel Boric – de esquerda, derrotou Kast no segundo turno da eleição presidencial de 2022 – ainda tem mais de dois anos de mandato pela frente e precisa de muita habilidade para cumprir ao menos parte de suas promessas, diante de uma oposição fortalecida.

“Com toda a incerteza política que temos vivido nos últimos anos, se o presidente Boric conseguir colocar sua assinatura em uma nova Constituição para o Chile do século 21, mesmo que fortemente influenciada pela direita, ele já terá lugar garantido na história”, disse o ex-senador Ignacio Walker.

“Vejo um processo de convergência entre o Partido Republicano, de Kast, e a direita tradicional, assim como temos visto uma aproximação entre Boric e as forças de esquerda tradicionais, desde o segundo turno da última eleição presidencial”, disse Eugenio Tironi.

“A tendência, nos próximos anos, é de vivermos uma espécie de bipartidarismo, com um conglomerado de centro-direita, liderado por uma direita mais radical, e um conglomerado de centro-esquerda, liderado por uma esquerda mais radical”, concluiu o sociólogo.

Assista ao vídeo do debate na íntegra.

Leia também:

Uma nova Convenção Constituição: o Chile entre a continuidade e a mudança (webinar realizado em setembro de 2022)

O modelo chileno em xeque: o que esperar da Assembleia Nacional Constituinte?  (webinar realizado em maio de 2021)

Leia a edição da coleção Conexão América Latina dedicada ao Chile, com dois artigos sobre o atual processo político chileno, publicada em 2022

 

Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.

 

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