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Debates

A Educação Técnica e a Reforma do Ensino Médio

/ auditório da Fundação FHC


“Dentro de dez anos, 70% das profissões serão outras, diferentes das existentes atualmente e baseadas em novas competências. O sistema educacional brasileiro precisa mudar para responder a esta transformação tão rápida.” (
Rafael Lucchesi, diretor do SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial).

Além das disciplinas da Base Nacional Comum Curricular, deve-se oferecer aos jovens de 15 a 17 anos a opção de fazer uma formação técnica profissionalizante para que, quando não quiserem ou não puderem cursar uma universidade, terminem o ensino médio com uma diploma de nível técnico reconhecido pelo mercado. 

Foi o que defendeu a unanimidade dos especialistas reunidos pela Fundação FHC no seminário “A Educação Técnica e a Reforma do Ensino Médio”, em 22 de novembro. “Quando pesquisamos sistemas educacionais ao redor do mundo, os conceitos presentes são flexibilidade, protagonismo do jovem e conexão com a educação técnica profissionalizante. No Brasil, apenas 8% dos jovens cursam o ensino médio com educação técnica profissionalizante. Na Europa, a média é de 40% e, na Alemanha, cerca de 50%”, disse o ministro da Educação, Mendonça Filho, na abertura do evento.

“Temos hoje um sistema único com currículo único, o pior dos mundos. Não adianta saturar o aluno com uma quantidade de conhecimento que ele não tem capacidade de absorver. A diversificação de trajetórias é uma boa ideia”, afirmou o economista Claudio Moura e Castro, consultor na área de educação e colunista da revista Veja.

“O sistema educacional brasileiro, tanto o público como o privado, é elitista porque é estruturado para os 17% dos jovens que vão para a universidade. Mas 83% deles não vão e poderiam ter na educação técnica profissionalizante uma identidade social. Ao negar à maioria dos jovens esta identidade, nosso sistema perpetua uma lógica de profunda exclusão social”, disse Rafael Lucchesi.

De acordo com a MP da reforma do ensino médio, cujo texto-base foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 7 de dezembro, a carga horária do ensino médio deve aumentar progressivamente das atuais 800 horas anuais para 1.400 horas anuais. Desse total, 60% serão dedicados a disciplinas obrigatórias da Base Nacional Comum Curricular e 40%, a matérias escolhidas pelos próprios alunos. O objetivo é transformar o ensino médio em tempo integral.

Entretanto, para Maria Helena Guimarães Castro, secretária executiva do MEC, inicialmente o governo não deve priorizar que o aluno fique na escola em tempo integral. Ele deve, isto sim, dividir seu tempo de estudo entre a escola e um curso profissionalizante oferecido por uma instituição parceira. 

“Vou defender aqui a ideia de um curso técnico concomitante ao ensino médio pelo menos durante um período de transição. Porque é impossível para uma escola de ensino médio regular de repente se transformar em uma escola de ensino técnico. Elas têm características de funcionamento muito distintas. Por isso, o curso técnico profissionalizante deve ser oferecido fora do ensino médio regular por meio de parcerias”, disse Maria Helena.

“É preciso valorizar a educação técnica, que hoje é considerada inferior ao ensino acadêmico. O ensino profissionalizante deve ficar do mesmo tamanho do outro.”

       Por que a reforma é urgente?

Quando decidiram propor a reforma do ensino médio por meio da Medida Provisória 746 (de 22 de setembro de 2016) e não por meio de um projeto de lei, cuja tramitação em geral é mais lenta, o Governo Temer e o MEC foram acusados de tentar impor as mudanças sem amplo debate com a sociedade. Cláudia Costin, que foi secretária municipal de Educação do Rio e atualmente leciona na Universidade Harvard (EUA), ecoou, em parte, aquela crítica: “Não gostei da estratégia de fazer por meio de uma MP, mas estou de acordo com o conteúdo da proposta. É importante haver mais flexibilidade curricular para que o jovem se torne senhor de sua própria aprendizagem”, disse.

Já o ministro Mendonça Filho defendeu a MP: “Há quase 20 anos se discute a reforma do ensino médio. Sei que a decisão de propor uma medida provisória tem sido contestada, mas o tema tem relevância e urgência, o que justifica uma MP. Isso não quer dizer que o assunto não será amplamente discutido no Congresso e com a sociedade. Não somos donos da verdade, mas precisamos chacoalhar o ambiente para transformar a educação brasileira.”

Durante o evento, a reforma do ensino médio foi considerada urgente por pelo menos quatro motivos:

1. O ensino médio brasileiro vai mal - De acordo com o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) 2015, o ensino médio segue estagnado na média das escolas do país com índice de 3,7, quando deveria ter atingido a meta de 4,3 estabelecida pelo MEC para o ano passado. Não houve melhora desde 2011. Leia reportagens do G1 e da Folha. Já os dados do Pisa divulgados em 6 de dezembro mostram que 70% dos alunos brasileiros entre 15 e 16 anos não alcançaram sequer o nível básico de proficiência em matemática, com escore médio de 377 enquanto a média da OCDE ficou em 490. Na prova que foi aplicada em 70 países, no ano passado, o País ficou na 63.ª posição em ciências, na 59.ª colocação em leitura e no 66.º lugar em matemática. Na prova de 2012, havia ficado na 55.ª posição em ciências, em 55.ª em leitura e em 58.ª em matemática. “Se o ensino médio brasileiro estivesse bem na foto, esta MP não teria provocado um debate tão intenso. Em dois meses, tivemos 16 editoriais nos maiores jornais e revistas do país. Existe ao menos um ponto em comum entre os que são a favor e contra a reforma: o ensino médio vai mal”, disse Maria Helena.

2. O mundo está mudando com muita velocidade - As mudanças tecnológicas das últimas décadas transformaram os setores da indústria e de serviços, alteraram as relações de trabalho, extinguiram ou tornaram irrelevantes diversas profissões e criaram novas ocupações. Esse processo só vai se acelerar e as pessoas e as sociedades que não estiverem capacitadas para se adaptar ficarão irremediavelmente para trás. “O Brasil está deslocado da economia global e das novas cadeias de valor. Estamos muito mal posicionados para tudo o que vai mudar na indústria 4.0, em que os processos de produção estarão muito mais ligados à capacidade de análise e de decisão. Se não tivermos uma educação conectada a esse mundo que se transforma muito rapidamente, viveremos um esvaziamento de nossa economia”, alertou Rafael Lucchesi.

3. A produtividade do trabalhador brasileiro está estagnada e a população envelhece rapidamente - Segundo Jorge Arbache, economista da UNB, hoje no Ministério do Planejamento, a produtividade do brasileiro não apresenta melhora desde os anos 1980 e é muito difícil resolver os problemas econômicos, sociais e políticos de um país se a produtividade de seus trabalhadores não evolui. A este grave problema soma-se o rápido envelhecimento da população, como resultado da redução da taxa de natalidade e do aumento da expectativa de vida verificados nos últimos anos. “É inexorável que nossos meninos e meninas tenham de produzir muito mais em um futuro próximo para dar conta do encargo que será financiar um sistema de saúde e de previdência social muito mais pesado do que o atual. Para isso, é essencial elevar a produtividade e diversificar a economia para entrar no jogo do século 21. Aprimorar as instituições de ensino profissional é fundamental”, disse Arbache.

4. O desemprego está crescendo e atinge principalmente os jovens - Desde meados de 2014, há mais de dois anos, quando teve início a recessão econômica, o desemprego cresce continuamente no Brasil. Em outubro, segundo o IBGE, atingiu  11,8%, alcançando mais de 12 milhões de pessoas. Somando os subempregados e os que desistiram de procurar trabalho, já são 40 milhões de brasileiros. Entre os jovens de 14 a 24 anos, o desemprego é de 26%. A educação profissionalizante pode dar aos jovens e mesmo adultos melhores condições para se inserir ou retornar ao mercado de trabalho. “Estamos à beira de colocar nossa juventude em um limbo do ponto de vista educacional e do projeto de construção de uma civilização inserida na sociedade contemporânea. Pode ser até que já tenhamos perdido a chance de reverter este processo”, alertou Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco. Atualmente, 1,7 milhões de jovens entre 15 e 17 anos estão fora da escola.

        Comentários, críticas e sugestões

Para Ana Inoue, assessora de educação do Itaú BBA, as mudanças sugeridas pelo MEC vão na direção correta, mas é essencial buscar soluções adequadas à realidade das redes de ensino de cada Estado ou unidade federativa do país. “O Distrito Federal, por exemplo, é pequeno e pode oferecer oportunidades para os alunos bem diferentes de Santa Catarina, que é um Estado bem comprido e com distâncias grandes entre os municípios”, disse. Ela defendeu amplo diálogo por meio do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação).

Eduardo Deschamps, secretário de Educação de Santa Catarina e presidente do Consed, concordou: “A primeira etapa é mudar o marco legal, o que está sendo feito agora. Mas o verdadeiro debate acontecerá na etapa da normatização e organização de cada uma das redes, privadas e públicas, com a participação dos conselhos estaduais, fóruns de educação e o setor privado.”

Deschamps e Cláudia Costin defenderam a importância de orientação (mentoria) para que os estudantes, durante sua trajetória na escola, tomem as decisões mais adequadas a seus objetivos de longo prazo. “Como trabalharemos o projeto de vida de cada aluno? Como ajudá-lo a se tornar protagonista de sua formação? Para isso, é essencial haver orientação vocacional para o estudante, assim como incluir a família”, disse o presidente do Consed. 

Para Deschamps, o conceito que deve ser buscado é o de educação integral: “É preciso dar ao jovem a oportunidade de desenvolver suas habilidades e competências mesmo fora da escola, por meio de música, dança, literatura, esportes ou o que quer que seja importante para ele.”

Segundo o consultor Claudio Moura e Castro, “é fundamental separar a arquitetura do edifício dos detalhes. A discussão ponto a ponto não pode atropelar a aprovação das grandes ideias. Filosofia e/ou sociologia devem fazer parte do currículo obrigatório? Isso será discutido no momento certo, mas agora devemos nos concentrar nas mudanças estruturais.”

Simon Schwartzmann, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, propôs um envolvimento maior com o setor produtivo para ajudar os estudantes a escolher o que vão fazer da vida. “O que significa ser mecânico? O que preciso estudar? Vou conseguir trabalho? Quanto vou ganhar?”, exemplificou.

“O Brasil não tem hoje uma base de dados sobre o mercado de trabalho que permita saber quais profissionais são mais procurados e bem remunerados. O Ministério do Trabalho precisa conversar com o da Educação, e ambos com o setor privado”, disse. Segundo o pesquisador, na Alemanha há constante troca de informações entre as autoridades educacionais e os sindicatos sobre as melhores oportunidades de trabalho para os jovens.

Schwartzmann também defendeu uma discussão aprofundada sobre a diferença entre programas de aprendizagem e trabalho infantil. “Por que não combinar o processo educacional com um estágio remunerado numa fábrica? A entrada do jovem no mercado de trabalho não deve ser muito precoce, mas tarde demais também não funciona. Este é um campo em que é preciso avançar com cautela”, disse.

Por fim, ele defendeu uma reforma na formação dos professores: “A formação tradicional de pedagogia não serve para a educação profissional. Profissionais de uma área não dialogam com a outra. Se o aluno optar por uma trajetória técnica-profissionalizante, a base curricular comum tem de ser cumprida, mas é a área técnica que deve ter mais influência.”

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu a importância de realizar a reforma do ensino médio. “O Brasil está num momento em que precisa enfrentar seus problemas e buscar soluções com coragem. Só se consegue realmente mudar coisas importantes quando existe uma crise. Então, é preciso explicar por que a reforma do Ensino Médio é necessária. É essencial ganhar a opinião pública. Quando isso acontece, o Congresso responde”, afirmou.

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Otávio Dias, jornalista, é especializado em questões internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.

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