A Economia do Mar e o desenvolvimento futuro de Portugal e do Brasil
Investir em uma visão holística da exploração dos oceanos, sempre buscando encontrar benefícios mútuos, é o rumo a ser seguido por todos os países com águas territoriais relevantes.
“Antes mesmo da língua portuguesa, o que une Portugal e Brasil é o Oceano Atlântico.”
Ana Paula Vitorino, ministra do Mar de Portugal
Nos últimos anos, especialmente após a profunda crise econômica que atingiu o país a partir de 2010, Portugal tomou a decisão de investir no potencial de suas vastas águas territoriais no Oceano Atlântico como um caminho para ampliar suas perspectivas econômicas, criar empregos e recuperar parte do protagonismo que este pequeno país europeu teve como uma das principais potências marítimas do globo no Século 16.
“Portugal não é um país periférico, como alguns costumam pensar. Por sermos o país mais ocidental do continente europeu, estrategicamente situado de frente para o Atlântico Norte, temos uma inquestionável centralidade euro-atlântica. Somos a perfeita ligação da Europa com as Américas”, disse a engenheira portuguesa Ana Paula Vitorino, que desde novembro de 2015 está à frente do Ministério do Mar, criado nos anos 1980, quando Portugal voltou a se abrir ao mundo depois de décadas de isolacionismo sob o regime de António de Oliveira Salazar (1889-1970).
“O lema de nosso ministério é ‘Fazer acontecer o mar’”, disse, durante a mesa redonda “A Economia do Mar e o desenvolvimento futuro de Portugal e do Brasil”, na Fundação Fernando Henrique Cardoso, com apoio da Marinha brasileira. Também participaram do evento o português Miguel Marques, economista e partner da multinacional PricewaterhouseCoopers (PwC), e o almirante de esquadra brasileiro Paulo Cezar de Quadros Küster, diretor-geral de Navegação da Marinha do Brasil.
Segundo dados da OCDE de 2013, apresentados pela ministra, as atividades relacionadas à exploração dos oceanos geram cerca de US$ 1,7 trilhão ao ano, o equivalente a 3% da riqueza produzida no mundo. Apenas na União Europeia, seriam responsáveis pela manutenção de 5,4 milhões de empregos. “Em Portugal, nosso objetivo é superar a marca de 3% do PIB relacionados a atividades marítimas”, afirmou a ministra.
‘Portugal é mar’
Embora tenha uma área terrestre de apenas 91.800 km², Portugal possui soberania ou jurisdição sobre uma área marítima de 1.720.560 km², incluindo águas interiores, mar territorial e Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Além da faixa marítima diante da costa continental portuguesa, há todo o território submarino em torno dos arquipélagos da Madeira e dos Açores (veja mapa recentemente distribuído em mais de mil escolas públicas e privadas do país).
Embora ocupe apenas a 110ª posição no ranking de países em dimensão terrestre, Portugal está entre os 25 países com maiores Zonas Econômicas Exclusivas (ZEEs), termo que define as águas sobre as quais cada país tem prerrogativas na utilização dos recursos, tanto vivos como não-vivos, e responsabilidade na sua gestão ambiental. Acima de países bem maiores, como China e África do Sul.
Acrescente-se que está em curso o processo de estabelecimento, no âmbito das Nações Unidas, dos limites exteriores da plataforma continental portuguesa, o que aumentaria para mais de 3,8 milhões de km² a extensão dos fundos marítimos sob soberania portuguesa (para fins de exploração). Se aprovada esta demanda, a quase totalidade de Portugal (97%) será mar.
“Espero que o mapa de Portugal centrado no Atlântico leve as novas gerações a perceber que o oceano tem um potencial enorme de exploração do ponto de vista científico, econômico, social e cultural”, disse a geóloga Raquel Costa, idealizadora do mapa. O ensino básico e secundário português passará a incluir programas de estudo do mar, pois, segundo a ministra, “ninguém aprende a amar aquilo que não conhece”.
Desafios oceânicos
Segundo a ministra do Mar, a grande extensão marítima portuguesa implica em três desafios:
1. Defesa da soberania e da segurança marítima
Além da obrigação de defender a soberania sobre suas águas, atualmente ameaçada principalmente por piratas, o Estado português se comprometeu, por acordos internacionais, a assegurar a busca e o salvamento marítimo (SAR, na expressão inglesa) em uma área de quase 6 milhões de km², correspondente a cerca de 63 vezes a superfície do território nacional. Daí a necessidade de investir em navios e equipamentos para a Marinha e regulamentar a presença de segurança armada privada em navios que navegam em águas portuguesas.
2. Exploração econômica
Além das atividades econômicas mais tradicionais, como pesca e turismo, Portugal pretende investir em atividades inovadoras sustentáveis, como aquicultura (a meta é dobrar a produção de frutos do mar, ostras e algas até 2020), produção de energia renovável offshore (o objetivo é que 25% da energia consumida em Portugal venha de projetos oceânicos) e biotecnologia.
3. Pesquisa e exploração do subsolo marítimo
Por fim, o país está empenhado em ampliar o conhecimento sobre seu subsolo marítimo, com enorme potencial para a mineração submarina, atividade exploratória que deve crescer rapidamente nas próximas décadas. Isso envolve não apenas pesquisa sobre os depósitos minerais submarinos como robótica submarina.
Com apoio da Comissão Europeia (órgão executivo da UE), o país europeu construirá o Observatório do Atlântico nos Açores, que, de acordo com reportagem do jornal “Correio dos Açores, terá participação dos EUA, do Canadá e possivelmente do Brasil. “A cooperação com o Brasil, devido à extensão de suas águas territoriais no Atlântico Sul e à importância econômica do país, será essencial”, disse Ana Vitorino, que se mostrou interessada em conhecer mais detalhes sobre o projeto Amazônia Azul, criado pela Marinha para coordenar a exploração dos 3,5 milhões de km² do território marítimo brasileiro.
“Se não investir na exploração sustentável do oceano como parte essencial da economia e de nossas vidas, Portugal não terá como cumprir a meta de reduzir em 40% as emissões de gases relacionados ao efeito estufa até 2030 (em comparação com os valores de 1990), conforme compromisso assumido pela União Europeia (UE) na Conferência do Clima de Paris”, afirmou a ministra. “Portugal pretende ser uma economia neutra em carbono até 2050”, disse.
Fundo para startups
Para financiar projetos de “biotecnologia azul”, robótica submarina e de energias renováveis oceânicas, foi criado um “fundo azul aberto a empresas de todas as nacionalidades desde que atuem em Portugal e se associem a centros de pesquisa do país, unindo ciência e atividade industrial”. “O objetivo é estimular o surgimento de startups dispostas a investir em atividades com baixo nível de maturidade, mas grande potencial”, disse Ana Vitorino.
Portugal também está modernizando seus portos, com investimentos de mais de 3 bilhões de euros (cerca de R$ 11,1 bilhões). O objetivo é integrar atividades, reduzir a burocracia e o tempo de espera para o carregamento e descarregamento de navios cargueiros (de 16 dias em média anteriormente para apenas algumas horas). “Os portos estão sendo transformados em ‘clusters’ que unem logística, armazenamento e distribuição a atividades industriais associadas a projetos de inovação e sustentabilidade”, explicou a ministra.
Para debater a governança dos oceanos e a chamada “economia do mar”, Lisboa será sede, em 7 e 8 de setembro, da conferência internacional “Oceans Meeting – The Oceans and Human Health”. “Nossa intenção é colocar Portugal entre os líderes mundiais da economia circular do mar, contribuindo para a definição de novos critérios para a exploração dos recursos marinhos, assim como o que fazer para recolher e reciclar o lixo marinho”, disse Ana Vitorino.
“A governança integrada de todas as atividades ligadas ao mar também é o principal desafio do Brasil, pois uma atividade influencia a outra, numa relação de profunda interdependência”, disse o almirante Küster (veja o gráfico Cluster Marítimo, na seção Conteúdos Relacionados, nesta página à direita). Segundo o representante da Marinha brasileira, o projeto Amazônia Azul visa chamar atenção para a riqueza das águas territoriais brasileiras, comparável em termos de recursos vivos, não vivos e energéticos ao existente na Amazônia.
Barômetro da economia do mar
Miguel Marques, partner da PwC, apresentou o estudo “PwC LEME – Barômetro da Economia do Mar” (veja na seção Conteúdos Relacionados), com grande quantidade de informações e estatísticas sobre a economia do mar em todo o mundo. “O crescente desenvolvimento da economia do mar é uma resposta a algumas das principais tendências do planeta neste Século 21, como as alterações climáticas, demográficas e sociais e as disrupções tecnológicas. De um lado, temos a rapidez de um mundo cada vez mais digital. De outro, o potencial de longo prazo dos oceanos”, disse o economista português.
Ainda segundo o economista, a economia do mar está indo rapidamente do Ocidente para o Oriente: os dez maiores portos em volume de contêineres estão na Ásia, sete deles na China, que também domina 18% da pesca e 62% da aquicultura do planeta. “Em muito pouco tempo, a China e outras economias asiáticas fizeram algo sem precedentes”, alertou.
Já a construção naval e o controle sobre o transporte marítimo está se movendo dos países mais desenvolvidos para o mundo em desenvolvimento. Reino Unido, Dinamarca e Alemanha produzem 79,6% das energias renováveis offshore (no oceano), mas a China vem crescendo rápido e já ocupa o quarto lugar, com 8,4% da produção mundial.
O Brasil ainda não apostou pra valer no desenvolvimento das energias renováveis offshore, mas se destaca como um dos dez maiores produtores de energia fóssil (petróleo e gás) offshore e está entre os 15 maiores produtores de alimentos provenientes de águas interiores (rios e lagos).
Já Portugal, segundo o economista da PwC, tem potencial para se transformar em uma Singapura do hemisfério ocidental, pois grande parte do transporte marítimo rumo à Europa do Norte passa por águas territoriais portuguesas.
“A economia do mar é muito resiliente (termo que diz respeito à capacidade de superar dificuldades e se adaptar às mudanças). Enquanto o PIB de diversos países, inclusive o de Portugal (e o do Brasil), enfrenta dificuldades, o PIB do Mar continua crescendo globalmente e criará muitos empregos. Investir em uma visão holística da exploração dos oceanos, sempre buscando encontrar benefícios mútuos, é o rumo a ser seguido por todos os países com águas territoriais relevantes. Para isso, é preciso investir na formação de recursos humanos, tecnologia, inovação e em uma visão integrada e não-excludente”, concluiu Marques.
Otávio Dias, jornalista, é especializado em questões internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.