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Debates

Seis Meses de Macri - Perspectivas econômicas da Argentina

/ auditório da Fundação FHC


O novo presidente argentino Mauricio Macri (PRO), que completou seis meses no cargo em 10 de junho, herdou de sua antecessora, Cristina Kirchner, uma economia com muitos problemas, mas ao menos um aspecto positivo: o baixíssimo nível de endividamento do país, paradoxalmente uma das consequências da moratória da dívida externa declarada pela Argentina em dezembro de 2001.

 “O governo argentino tem uma dívida de apenas 20% do PIB (Produto Interno Bruto); 8% em moeda estrangeira. As empresas têm dívidas inferiores em média a um terço de seu patrimônio, nível muito baixo para os padrões internacionais. E as famílias têm dívidas equivalentes a apenas 5% de sua renda anual”, disse o economista Nicolás Dujovne, professor da Universidade de Buenos Aires, em debate sobre os seis meses de governo Macri na Fundação Fernando Henrique Cardoso, em 8 de junho.

Segundo o historiador econômico Pablo Gerchunoff, professor emérito da Universidade Torcuato Di Tella e professor de honra da Universidade de Buenos Aires, justamente por ter uma dívida baixa a Argentina poderá se beneficiar de uma “bolha de recursos disponíveis no mundo” para financiar projetos no país, entre eles os de infra-estrutura, muito atingida pelas dificuldades econômicas recentes.

“O risco-país da Argentina hoje é muito baixo e as taxas de juros praticadas mundo afora também. Portanto, o país pode atrair muitos investimentos se adotar políticas adequadas, como a redução do protecionismo e um regime de metas de inflação. O problema central é que os investidores e os empresários precisam acreditar que a estabilidade prometida pelo atual governo vai durar o suficiente para pagar o investimento”, completou o palestrante. A peronista Cristina Kirchner governou de 2007 a 2015 e não conseguiu eleger seu sucessor em 22 de novembro passado.

Em 2001, atingida por uma profunda crise econômica e por protestos que levaram à renúncia do então presidente Fernando De la Rúa (União Cívica Radical), a Argentina deu um calote de mais de US$ 100 bilhões em sua dívida externa. Em 2005, fez um acordo com a maioria dos credores, mas parte deles não aceitou a reestruturação da dívida. A disputa com o governo argentino se estendeu até o início de 2016, quando o novo presidente, Mauricio Macri, fechou um acordo com essa última leva de credores, abrindo caminho para a Argentina voltar a buscar crédito no exterior.

Ajuste fiscal gradual

“Durante muitos anos ninguém nos emprestava dinheiro. Por isso temos hoje um nível de endividamento comparável ao da Coreia do Norte, um dos países mais isolados do mundo”.

“Agora, o novo governo desenha um programa econômico baseado no gradualismo fiscal, ou seja aproveitará a capacidade de endividamento para reduzir o déficit público aos poucos, e no reconhecimento de que existe uma relação entre a emissão de moeda e a inflação, coisa que o governo anterior não admitia”, disse. Durante o governo de Cristina, as taxas de inflação oficiais foram sistematicamente reduzidas em relação aos números verdadeiros, uma distorção que o novo governo está corrigindo.

“Também há condições para uma recuperação do endividamento das famílias e das empresas, se houver uma economia que funcione e um ambiente mais positivo para o investimento”, afirmou o economista. Segundo Dujovne, a principal questão em aberto é se o governo terá condições de passar da etapa de normalização da economia para a de reformas, com a redução da burocracia e o fechamento de novos acordos comerciais.

Surge aí um desafio político: Macri conseguirá vencer as “eleições de meio de mandato” em outubro de 2017, quando serão renovados metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado? Atualmente, o presidente não tem maioria no Parlamento. Se ampliar sua base de apoio, ganhará tempo e musculatura para as reformas de médio e longo prazo consideradas essenciais para a Argentina voltar a crescer de forma sustentada. Leia texto sobre as perspectivas políticas do novo governo.

'Macri venceu falando a verdade'

Segundo Pablo Gerchunoff, o núcleo do programa econômico de Macri pode ser resumido em poucas palavras: “Colocar o investimento e o aumento da produtividade no centro da economia.” “Macri é um caso raro de candidato que venceu falando a verdade. Por isso, ainda conserva mais de 50% de popularidade (apesar de medidas duras tomadas nos seis primeiros meses de governo)”, disse.

O crescimento do consumo deverá vir como consequência da estratégia descrita acima, mas, segundo o historiador econômico, o novo presidente não pode descuidar dessa questão se quiser vencer as eleições do ano que vem. “O verdadeiro desafio de Macri é combinar a criação das bases para um desenvolvimento sustentável com uma certa dose de populismo no curto prazo”, disse. “Ele precisa estimular um pouco o consumo agora para ganhar as próximas eleições e, então, ter um horizonte mais largo para arrumar a casa.”

A eleição para a vaga de senador da Província de Buenos Aires — que concentra 40% da população do país e normalmente vota no peronismo, mas em 2015 apoiou Macri — será crucial. “Este é um governo politicamente débil, com minoria parlamentar, e que precisará renovar seu mandato para conseguir colocar em prática um programa econômico de médio e longo prazo que não deve gerar empregos imediatamente”. Como a produtividade é muito baixa na Argentina, há espaço para melhorá-la antes de abrir novas vagas.

Os primeiros resultados

Nesses seis primeiros meses, o novo governo teve êxito em acabar com o controle do câmbio e de capitais. Antes havia uma taxa de conversão de dólares por pesos oficial e outra, paralela. Quando exportava, um produtor era obrigado a trocar os dólares que recebia como pagamento por pesos no Banco Central por um valor 40% inferior ao praticado no mercado negro. “O próprio governo passou a investir no câmbio paralelo parte dos dólares que comprava (no câmbio oficial), uma coisa delirante que foi se agravando nos últimos anos”, relatou Nicolás Dujovne.

“O câmbio duplo também afastou o investimento estrangeiro porque nenhum investidor queria perder 40% do valor de seus dólares ao entrar no país".

Nos últimos cinco anos, o investimento externo na Argentina foi de 0,3% do PIB, quando a média na América Latina foi de 3% a 4% do PIB.

Assim que tomou posse, uma das primeiras medidas de Macri foi unificar as taxas: US$ 1 atualmente vale cerca de 14 pesos, próximo ao praticado pelo câmbio negro antes das eleições. Quando o então candidato oposicionista prometeu que unificaria o câmbio, especulou-se que o peso poderia ter uma desvalorização bem maior.

O novo presidente também pôs fim ao controle de preços de produtos e serviços essenciais como gasolina, eletricidade, água e transporte, alguns deles congelados desde o início dos anos 2000. Os reajustes chegaram a 300% em alguns casos.

Macri também conseguiu fechar um acordo com os chamados “fundos-abutres”, que cobravam as dívidas não pagas desde a moratória de 2001, possibilitando a contratação de novas dívidas e investimentos.

Por fim, o novo governo eliminou impostos sobre a exportação de produtos agropecuários, criados por Nestor Kirchner  para capturar o que considerava ganhos extraordinários do setor agropecuário com o boom das commodities e usar os recursos para financiar a expansão dos gastos públicos.

Alívio econômico em ano eleitoral

Segundo Nicolás Dujoven, no segundo semestre de 2016 e principalmente no próximo ano a economia do país deve começar a reagir porque:

1. A partir de junho/julho deste ano, diversas categorias de trabalhadores tiveram ou terão seus salários reajustados.

2. A inflação — que em maio deste ano foi de 4,2%, já acumula alta de 25% desde janeiro e deve se aproximar de 40% até o final do ano — começará a ceder para algo em torno de 2% ao mês, ainda assim bastante alta. Em meados de junho, o INDEC (Instituto Nacional de Estadística y Censos) voltou a divulgar dados da inflação, depois de o novo governo ter suspendido a divulgação para reavaliar os métodos do instituto, que nos últimos oito anos foi acusado de maquiar dados.

3. Após realizar uma forte contenção de gastos nos primeiros 6 meses, o governo terá margem para gastar mais e, mesmo assim, cumprir a meta fiscal do ano (déficit de 4,6%).

4. O governo tirou pesos do mercado para evitar uma grande desvalorização da moeda ao acabar com o câmbio controlado e, a partir de agora, poderá expandir a base monetária.

5. O governo espera que haja uma retomada dos investimentos externo e interno, assim como há espaço para um maior endividamento de empresas e famílias.

“Existe hoje grande interesse em investir em energias renováveis, a infra-estrutura poderá atrair investimentos, a construção deve começar a se recuperar e o agronegócio se beneficiará da redução dos impostos sobre a exportação e colherá boas safras. Em 2016, ainda teremos uma recessão de 1% a 1,5%, mas em 2017 o PIB já deve crescer algo em torno de 3% a 4%”, disse Dujovne.

Desemprego e inchaço da máquina pública

Entre os desafios à vista estão:

1. Diante da baixíssima produtividade da mão-de-obra, que, segundo Dujovne, estão nos níveis mais baixos dos últimos 20 anos, a retomada do crescimento deve causar um “boom de produtividade”, mas não de novos empregos num primeiro momento. (Assim como os dados sobre a inflação, os números oficiais sobre o percentual de desempregados não eram confiáveis e estão em processo de reavaliação).

2. Entre 2013 e 2015, houve um aumento de 2,2 milhões para 3,6 milhões no número de funcionários públicos, o que só foi possível com aumento de impostos e imposto inflacionário. Segundo Dujovne, o gasto público saltou de 22% do PIB em 2003, primeiro ano do governo de Néstor Kirchner (marido e antecessor de Cristina, morto em 2010), para 47% do PIB atualmente. “O peso do Estado sobre a economia argentina mais que duplicou”, disse. Ainda de acordo com o economista, esse inchaço do funcionalismo público nos últimos anos foi como “um seguro desemprego disfarçado” e dificilmente será revertido a curto prazo, apesar de algumas medidas nesse sentido adotadas por Macri. “Se pudesse demitir esse excedente de 1 milhão de funcionários públicos, a Argentina economizaria US$ 30 bilhões por ano e poderia baixar o imposto sobre valor agregado (IVA) de 21% para 8%. Mas é sempre difícil cortar o funcionalismo, o que prejudica a situação fiscal de forma permanente”, afirmou Dujovne.

3. O gasto público elevado devido ao inchaço do funcionalismo e o déficit da previdência social levaram a uma redução da taxa de crescimento potencial da Argentina. “Dificilmente voltaremos a crescer a taxas de 6% ou 7% ao ano”, afirmou o economista.

4. Para Pablo Gerchunoff, a possibilidade de apreciação do câmbio, uma das conseqüências das altas taxas de juros e do provável aumento da entrada de dólares ao país, preocupa. “Existem na sociedade argentina amplos setores que desejam que o câmbio real seja mais baixo, mas o empresariado se questiona se isso é sustentável”, disse o palestrante.

5. Gerchunoff também desconfia da meta de Macri de derrubar a inflação para algo em torno de 5% no último ano de seu atual mandato (2019). “Não deveriam jogar essa carta porque não é possível cumprir. Não conheço nenhum país com inflação de 40% ao ano que tenha feito isso em prazo tão curto”, afirmou.

De acordo com Gerchunoff, seis meses são muito pouco tempo para avaliar os resultados econômicos do governo. “Os governos Alfonsín (1983-1989) e Menem (1989-1999) levaram cerca de dois anos para encontrar sua verdadeira identidade na área econômica”, disse o historiador.

“Quando Macri venceu o segundo turno da eleição presidencial, pela primeira vez na história do país, eu disse à minha mulher, Suzana: ‘Isto é sensacional! Mas será que ele vai conseguir mudar a economia antes que a sociedade ‘mude com ele’?’ Sigo sem resposta”, afirmou.

Para ler sobre as perspectivas políticas da Argentina, baseado nas falas do jornalista Carlos Pagni e do ex-senador Ernesto Sanz, clique aqui.

Leia também os textos:

Bolívia: a derrota no referendo marca o início do fim de Evo Morales?

Venezuela: há luz no fim do túnel do chavismo?

Até onde podem chegar as mudanças em Cuba?

Otávio Dias, jornalista, é especializado em política e assuntos internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do site estadao.com.br e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.

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