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Debates

O México frente a Donald Trump: quais os próximos rounds?

/ auditório da Fundação FHC


“Por mais que ameace e tente, Trump não destruirá a golpes a relação dos EUA com o México.”

Andrés Rozental, embaixador mexicano

A política de hostilidade do presidente norte-americano, Donald Trump, em relação ao vizinho México, já está fazendo com que o governo e os empresários mexicanos busquem alternativas na América Latina, na Europa e na Ásia, como estratégia de diversificação e reposicionamento da economia mexicana no mundo. E o Brasil pode se beneficiar disso. Esta foi a principal mensagem de palestra de Andrés Rozental, embaixador eminente vitalício do México, na Fundação Fernando Henrique Cardoso.

“Desde o primeiro dia de campanha e neste início de governo, Donald Trump não perde uma oportunidade para falar mal do México. Ele nos trata como inimigo, e não como um amigo muito próximo nos últimos 25 anos. Somos pacientes, mas já começa a surgir no México um ambiente de hostilidade em relação aos EUA, algo que havia antes do Nafta (tratado comercial entre EUA, Canadá e México que entrou em vigor em janeiro de 1994) e que agora ressurge com força”, disse o diplomata, que preside o Conselho Mexicano de Relações Exteriores.

A eleição de Trump para a presidência dos Estados Unidos, em novembro de 2016, representa a mais séria ameaça para as relações entre os dois países desde que o presidente mexicano Lázaro Cárdenas nacionalizou as empresas petrolíferas, entre elas a Standard Oil, e decretou o monopólio estatal do petróleo em 1938. Naquela ocasião, o governo norte-americano impôs sanções ao México. Já Trump ameaçou construir um muro na fronteira entre os dois países, prender e deportar em larga escala mexicanos em situação ilegal e anular o Nafta. Esta última ameaça foi  posteriormente amenizada (em vez de anulação, Trump passou a falar em uma “renegociação favorável aos EUA”).

“Além de sugestões de boicote a produtos norte-americanos, já se verifica uma redução de aproximadamente 20% no número de mexicanos que viajam para os EUA e tanto as autoridades quanto os empresários mexicanos começam a olhar para outros países como parceiros cruciais  para defender a segurança nacional (em termos econômicos e comerciais)”, continuou.

Segundo Rozental, os mexicanos estão investindo em três frentes:

1 - Acordo de última geração com a União Europeia
O México e a UE pretendem concluir um novo acordo de livre comércio até o final de 2017, para substituir o que foi assinado em 2000. “Já temos um acordo de terceira geração, que até o final do ano será de última geração”, disse o embaixador. A União Europeia é o terceiro parceiro comercial do México, que exporta em primeiro lugar para os EUA e depois para a China. No ano passado, as troca comerciais com a UE foram superiores a 55 bilhões de euros (cerca de R$ 205 bilhões). Os acordos comerciais mais recentes incluem especificidades que vão além dos bens e serviços tradicionais, como compras e obras públicas, questões de sustentabilidade e meio ambiente, direitos laborais, propriedade intelectual etc.

2 - Novo acordo da Parceria Transpacífico, sem os EUA
Depois que Trump assinou um decreto retirando os EUA do TPP (Trans-Pacific Partnership, em inglês), o Japão, com apoio de México, Canadá, Austrália, iniciou conversas para preservar o acordo com os demais 11 membros. Assinado em 2015 por 12 países banhados pelo Oceano Pacífico, o TPP era considerado o maior acordo comercial da história, abrangendo 40% do PIB mundial.

3 - Aproximação com o Mercosul
De acordo com Rozental, o México deve “buscar sinergias e possibilidades de colaboração” com o Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai (a entrada da Venezuela foi suspensa porque o país, sob o regime chavista de Nicolás Maduro, não cumpriu cláusulas do protocolo de adesão), assim como aprofundar a relação com a Aliança do Pacífico, da qual o país já é membro, ao lado de Colômbia, Peru, Chile e Costa Rica.

       Relações diretas com o Brasil

Segundo Rozental, também há espaço para aprofundar a relação bilateral entre Brasil e México, as duas maiores economias da América Latina. “Existem muitas  oportunidades de aprofundamento na relação entre os dois países, até recentemente prejudicada pela falta de uma sinalização clara por parte dos atores políticos. Nas últimas semanas, os dois países começaram a trabalhar em sintonia em relação à crise na Venezuela e a temas ligados às Nações Unidas e ao G20”, disse. Leia texto sobre o seminário “Brasil e México: trajetórias distintas e desafios comuns”, realizado na Fundação FHC em agosto de 2016.

Importadores mexicanos têm visitado o Brasil, entre outros grandes países produtores de alimentos, para explorar possibilidades de diversificação de compra de soja, milho e outros produtos que costumavam comprar dos Estados Unidos.

“No México, já existe uma decisão tanto política como empresarial de diversificar as fontes de alimentos".

O palestrante defendeu também maior colaboração cultural e entre universidades, centros de pesquisa e ‘think tanks’ brasileiros e mexicanos para superar o distanciamento histórico entre os dois países.

       ‘Resistência virá de dentro dos EUA’

Apesar de pessimista em relação ao presente, Andrés Rozental disse que o presidente norte-americano “não conseguirá destruir a relação dos dois vizinhos”. Ele lembrou que “no dia em que Trump ameaçou acabar com o Nafta, o ministro da Agricultura dos EUA alertou que os Estados norte-americanos mais prejudicados (pela perda de exportações para o México) seriam os agrícolas, cujos habitantes votaram majoritariamente no candidato republicano. Trump rapidamente recuou da decisão”, lembrou. Uma eventual anulação do Nafta encareceria tanto a exportação quanto a importação de produtos alimentícios, prejudicando produtores, exportadores e consumidores.

O México é o segundo mercado consumidor de produtos norte-americanos e o principal destino de investimentos privados dos EUA. O comércio entre os dois países é de cerca de US$ 750 bilhões (cerca de R$ 2,5 trilhões). Para Rozental, o saldo de US$ 60 bilhões favorável ao México é pequeno se comparado ao déficit dos EUA com Japão e China. “Trump é um empresário e, como tal, não aceita déficits, mas a balança comercial desfavorável aos EUA decorre do fato de os norte-americanos consumirem mais do que produzem”, explicou.

Quanto à suposta destruição  de empregos dos EUA provocada por acordos de livre-comércio, o embaixador salientou que o desaparecimento de empregos é um fenômeno global relacionado ao surgimento de novas tecnologias, como a robótica e a economia digital.

      Nafta sob ataque

Sobre a renegociação do Nafta, que deve ter início no mês de agosto, Rozental disse que Canadá e México não aceitam a ideia de conversas bilaterais, como deseja Trump para enfraquecer os demais membros do bloco, e só admitem conversas trilaterais. “(Parece que) os Estados Unidos querem discutir novos assuntos como comércio eletrônico (e-commerce), propriedade intelectual e assuntos energéticos e monetários. Não temos medo. Vamos aguardar a divulgação oficial de suas propostas nas próximas semanas”, afirmou.

Para o embaixador, as principais cartas do México na mesa de negociação são o grande mercado consumidor mexicano, com 127 milhões de habitantes, e a colaboração na área de segurança. “Desde os atentados de Onze de Setembro (de 2001), não houve um só terrorista que tenha entrado nos EUA através da fronteira com o México. Não convém aos EUA terem um vizinho débil, irritado e hostil, pois, se deixarmos de cooperar (com os órgãos de combate ao terror), os EUA terão muitos problemas”, afirmou.

       ‘Muro não será construído’

O palestrante também afirmou categoricamente que Trump não terá êxito em erguer o prometido muro na fronteira com o México nos moldes prometidos durante a campanha, menos ainda em mandar a conta para o governo mexicano. “Por mais que ele fale, isso não vai acontecer, pois as comunidades do lado norte-americano da fronteira, os ambientalistas e até mesmo os congressistas norte-americanos são contra. Muros não conseguem impedir o fluxo de drogas e de imigrantes ilegais, que acabam entrando pelos aeroportos e postos de fronteira comuns”, disse.

Em relação às drogas, Rozental reconheceu que o México, tradicional produtor de maconha, se tornou recentemente importante produtor de metanfetamina, assim como corredor de tráfico de outras drogas como cocaína. Mas, segundo ele, “a solução é a descriminalização das drogas, que já está começando a acontecer em diversos Estados norte-americanos, e campanhas para reduzir o consumo de drogas nos EUA, maior mercado do mundo”.

Rozental contestou também a ideia de que o México exportaria imigrantes ilegais para os EUA. “Hoje em dia, o balanço migratório é próximo de zero porque chegam igual número de mexicanos nos EUA e de norte-americanos no México. O que existe é um fluxo de migrantes centro-americanos, do Caribe e de outras regiões do mundo que fogem da pobreza e da violência do crime organizado e das guerras, mas EUA e México já têm programas de colaboração para reduzir esse fluxo”, disse.

       Influência na política interna

O palestrante finalizou dizendo que a hostilidade do atual ocupante da Casa Branca terá influência no resultado da próxima eleição presidencial mexicana, em julho de 2018. “Certamente será uma campanha em que todos os candidatos buscarão fazer propostas mais anti-americanas do que os demais, o que é muito ruim”, disse.

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Otávio Dias, jornalista, é especializado em questões internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.

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