Ir para o conteúdo
Logotipo do FFHC Menu mobile

/css/images/int-header2.jpg

Debates

Desafios e Oportunidades do Envelhecimento Populacional

/ auditório Fundação FHC

Envelhecimento da população: um imenso desafio e uma grande oportunidade

“A Copacabana da minha infância, repleta de crianças, mulheres grávidas e carrinhos de bebê, não existe mais. Hoje o que vemos é um grande número de moradores usando bengala, andador ou cadeira de roda. É o bairro com a maior proporção de idosos do país, mais de 30%, o retrato do que será o Brasil em 2050. Se quiserem um bom laboratório, venham ver.”

A frase acima resume os enormes desafios e oportunidades que o envelhecimento populacional, um fenômeno global que o médico Alexandre Kalache prefere chamar de “revolução da longevidade”, impõe ao Brasil. “Revolução e longevidade são palavras que não costumam andar juntas no imaginário das pessoas. O que é revolução? É algo que se passa numa sociedade de súbito, abruptamente, e que terá reflexo em todos os aspectos da vida social. É exatamente isso que está acontecendo no Brasil, com a queda vertiginosa da taxa de natalidade e o aumento exponencial da expectativa de vida dos brasileiros”, explicou um dos maiores especialistas do mundo no assunto, em palestra na Fundação Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo.

De acordo com dados da ONU de 2013, há hoje no mundo mais pessoas vivas com idade igual ou superior a 60 anos do que a soma de todas as pessoas que atingiram essa idade ao longo da história. Entre 1950 e 2050, a população mundial total quadruplicará, enquanto a população de mais de 60 anos aumentará dez vezes e a de mais de 80 anos, 28 vezes (de 14 milhões para quase 400 milhões em todo o mundo).

O rápido envelhecimento da população brasileira é motivo de grande preocupação em um país que ainda tem muito a fazer para garantir um nível de renda mínimo e serviços públicos (e também privados) de qualidade para toda a população. Ainda mais num momento de profunda crise econômica como o que estamos vivendo. Mas, para o ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Curso de Vida da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 1995 a 2008, a revolução da longevidade é também razão para otimismo e entusiasmo.

“Para a nossa geração, é um privilégio vivermos por mais tempo para, pela primeira vez na história da humanidade, poder responder à altura aos enormes desafios trazidos pela revolução da longevidade. Isso nunca aconteceu antes no Brasil e no mundo. Será que as nossas sociedades estão preparadas?”, perguntou Kalache, que nasceu no Rio de Janeiro em 1945 e desenvolveu boa parte de sua bem-sucedida carreira em Londres (Reino Unido), onde foi estudar na década de 1970 e lecionou e clinicou nas décadas seguintes.

A resposta é não. O fenômeno do rápido envelhecimento populacional atinge o Brasil em cheio quando ainda temos um terço de analfabetismo (total ou funcional) entre os adultos, o que compromete a produtividade de nossa mão-de-obra, escolas que não ensinam direito, saúde de má qualidade e déficit crescente do sistema previdenciário, caracterizado por privilégios e regras insustentáveis. Além da histórica desigualdade social, com reflexos na qualidade de vida de crianças, adolescentes, adultos e idosos. “O Brasil está ficando velho antes de ficar rico e desenvolvido”, alertou o palestrante.

Para dar uma ideia do enorme desafio que o país tem pela frente, Kalache apresentou alguns números. Na década de 40, a expectativa de vida no Brasil era de apenas 43 anos, atualmente já passa de 75 anos. Ao mesmo tempo em que os brasileiros estão vivendo em média 30 anos a mais, temos cada vez menos bebês. “Em 1975, quando fui estudar no exterior, a taxa de fecundidade (média do número de filhos durante a vida reprodutiva da mulher) era de 5,8. Hoje é de 1,7 filhos por mulher. Em uma geração, caímos de quase seis filhos para menos de dois filhos por casal”, disse.

A coisa fica ainda mais dramática quando se faz um recorte social. Segundo o especialista, a taxa de fecundidade de mulheres com mais de oito anos de escolaridade é de 1,5 filhos, enquanto aquelas que estudaram menos têm em média 3,2 filhos. “Não estou preocupado com o futuro das crianças dos mais ricos, que se alimentarão bem, farão balé, natação e inglês, estudarão em boas escolas e farão pós-graduação na Europa e nos Estados Unidos. Mas a maioria de nossas crianças nasce em lares de baixa renda, com frequência de mães solteiras. Vamos ter que dar muita assistência para que esses futuros cidadãos do Brasil se tornem produtivos e possam sustentar uma sociedade que envelhece muito rapidamente”, explicou.

Entra aqui a questão do déficit do sistema de aposentadorias. Para ser sustentável, o total de contribuições dos trabalhadores em atividade à Previdência deve ser capaz, ao longo do tempo, de cobrir a  soma das aposentadorias pagas aos que já não produzem mais. Com mais idosos vivendo por mais tempo, e menos jovens chegando ao mercado de trabalho, a conta já não fecha e o déficit previdenciário só fará aumentar se a previdência não sofrer reformas. Sem elas, o Estado precisa colocar cada vez mais dinheiro na Previdência, recursos que fazem e farão falta em outras áreas essenciais como educação (condição essencial para uma vida produtiva e de maior renda), saúde, saneamento básico e segurança, todos fatores com impacto direto na qualidade de vida.

“O Brasil não tem idade mínima para uma pessoa se aposentar e tem uma idade média de aposentadoria entre as mais baixas do mundo. Antes os brasileiros se aposentavam aos 50 ou 55, mas viviam apenas mais cinco anos, em média. Hoje, vivem mais 25 ou 30 anos, recebendo aposentadoria. Quem vai pagar a conta? Isso é insustentável e precisa mudar”, afirmou Kalache. A definição de novas regras para a aposentadoria é um dos temas mais polêmicos em discussão no Congresso Nacional atualmente.

O palestrante criticou especialmente a aposentadoria dos servidores públicos (funcionários dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além das empresas estatais). “Tenho uma cunhada que foi diretora de um banco público, começou a trabalhar aos 20 anos e, 25 anos depois, se aposentou aos 46 anos. Eu a adoro, e ela não fez nada de ilegal. Mas poderia seguir trabalhando e contribuir para a sociedade brasileira por muitos anos ainda”, exemplificou. “O melhor sistema previdenciário não é o que é muito generoso para poucos, mas aquele que é viável, sustentável e possa beneficiar a maior parte da população”, defendeu Kalache.

De acordo com o especialista, as regras da aposentadoria tanto dos setores público quanto privado aprofundam a desigualdade social do país. “Como em tudo no Brasil, há um oceano entre uma minoria que está envelhecendo bem, com qualidade de vida e alto poder de consumo, e uma maioria que enfrenta a velhice no limiar da sobrevivência”, afirmou.

Segundo ele, a situação só não é mais trágica por causa da “pensão não contributiva” — uma aposentadoria mínima paga a idosos que não contribuíram para o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) — e do SUS (Sistema Único de Saúde). “Se não houvesse essa pensão e o SUS, com todos os seus problemas, milhões de idosos estariam na miséria absoluta, sem nenhum acesso à saúde. Hoje essas pessoas, em vez de ser um peso morto, são muitas vezes a única fonte regular de renda para muitas famílias”, lembrou o médico.

“Esse é o contexto da crise que vivemos atualmente e que, pelo jeito, vai perdurar. Temos uma tendência de diminuição da oferta de mão-de-obra, devido à queda abrupta da taxa de fecundidade; recursos humanos com baixo nível educacional, o que resulta em baixa produtividade e competitividade; e uma população acima de 60 anos cada vez maior, recebendo aposentadoria por mais tempo”, disse.

De acordo com Kalache, o Brasil tem atualmente 12% da população com mais de 60 anos, mas em 2050 este percentual ultrapassará os 30%, como já aconteceu em Copacabana. “A França levou 115 anos, de 1865 a 1980, para dobrar a proporção de idosos de 7% para 14% (hoje 18% dos franceses têm mais de 65 anos). Nós vamos mais do que dobrar o número de idosos em três décadas. Com uma diferença: ainda não somos plenamente desenvolvidos nem ricos”, concluiu.

Kalache, que preside o Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR), criticou o governo por não investir mais em políticas para o idoso. Segundo ele, entre 2011 e 2013, o Ministério da Saúde tinha R$ 28,5 milhões destinados a este fim, mas apenas metade foi utilizada. Já a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos tinha quase R$ 6 milhões, mas usou só 10%. “Tem cabimento isso? Estamos assistindo ao envelhecimento rápido de nossa sociedade sem uma política adequada que nos prepare para as consequências”, afirmou.

Também uma questão de gênero e raça 

Para Kalache, o envelhecimento da população brasileira não se resume a números frios. Quando se olha para além das estatísticas gerais, se vê que o fenômeno afeta desigualmente as pessoas de acordo com o seugênero, raça, classe social e até mesmo orientação religiosa. Para ser corretamente enfrentado, exige uma mudança cultural coletiva e individual: “Será que, individualmente e como sociedade, estamos preparados para respeitar a diversidade desse fenômeno? À medida que envelhecemos, vamos ficando muito mais heterogêneos do que quando éramos adolescentes e íamos todos ao mesmo lugar, curtíamos as mesmas roupas, as mesmas músicas. Tivemos seis, sete décadas para nos diferenciarmos. Em termos estatísticos, estou na mesma caixa que minha mãe, eu com 70, ela com 97 anos de idade! Aturar essa diversidade é penoso para a sociedade, que não está habituada a isso, e para cada um de nós.”

O médico chamou atenção para o que chamou de “feminização do envelhecimento”, pois as mulheres vivem mais do que os homens, uma tendência global potencializada no Brasil. Em 2013, a expectativa de vida do homem brasileiro era de 71 anos, a da mulher chegava a 79 anos. “Em outros países, essa diferença é de quatro ou cinco anos, aqui de quase nove. Isso se explica principalmente pela violência social. É o jovem do sexo masculino matando outro jovem do sexo masculino”, disse.

Segundo Kalache, as mulheres vivem mais, mas enfrentam enormes dificuldades. “Muitas sofrem com doenças incapacitantes, como as ósseo-musculares. Continuam vivas, mas pobres, praticamente se arrastando, isoladas, muitas vezes sem o cuidado que a família tradicionalmente costumava prestar. O envelhecimento sem saúde é um bilhete envenenado”, alertou.

Para exemplificar o impacto do nível de renda na qualidade de vida durante a velhice, ele mostrou fotos da festa de 90 anos de sua mãe, Lourdes, e comparou a vida dela com a de sua antiga babá Vitória, que cuidou dele e de seus irmãos quando crianças. “Em 2008, minha mãe celebrou seus 90 anos com uma festa em Copacabana repleta de familiares e amigos. Dançou valsa com seu médico, veja que privilégio!”, contou. “Durante a festa, me lembrei da minha babá e pensei ‘será que ainda está viva?’”. Alexandre foi atrás de Vitória e a encontrou em Minas Gerais, vivendo de favor na casa de uma irmã.

“Não vou mostrar a foto da babá Vitória para preservar sua dignidade. Certamente ela não estava dançando com o médico porque nem médico tinha. Na velhice, não teve filhos para cuidar dela porque, quando estava na idade de engravidar, cuidava dos filhos da minha mãe no Rio. Não tinha só uma doença crônica, mas nove. Seis meses depois morreu abandonada, negligenciada e pobre”, afirmou.

Aos 92, Lourdes também teve seu encontro com as agruras da velhice. Caiu, sofreu uma fratura e já saiu da sala cirúrgica numa cadeira de rodas. “Quem cuidou dela? Todos estávamos ocupados, trabalhando! Não estou culpabilizando ninguém, mas aquele modelo de família estendida no qual fomos criados, em que havia um reservatório de mulheres para cuidar dos idosos, não existe mais. Quem pode, terceiriza. Quem não pode, não sei como faz. Não temos estudos”, disse.

Kalache destacou o autocuidado no curso da vida como o melhor caminho para ter o que ele chama de “envelhecimento útil” e prevenir (ou ajudar a enfrentar) doenças crônicas, responsáveis por 74% das mortes de idosos. São coisas básicas como se alimentar bem (“coloque mais cores no prato de comida”), realizar exercícios físicos com frequência, dormir bem, ter uma vida a mais equilibrada quanto possível, não fumar e evitar o excesso de álcool.

“Com a revolução da longevidade, a vida deixou de ser uma corrida de cem metros e se transformou numa maratona. Tenho que ter uma estratégia diferente para viver bem os 90 anos que espero viver, mas para isso preciso de dinheiro e acesso a informação e serviços”, afirmou.

“O problema é aquela pessoa que nasceu e cresceu sujeita à desnutrição e a doenças, teve baixa escolaridade, viveu num lugar poluído, sem transporte público. Quando começa a envelhecer, cai muito rápido porque está cansada, trabalhou demais sem descanso, não se exercita porque a academia é muito cara e a calçada da rua onde mora é toda esburacada. Aos 60, tem um derrame e vive mais vinte ou trinta sem qualidade de vida”, disse.

“Envelhecer bem ou mal não é apenas uma questão de informação e conscientização, mas consequência do meio e das condições em que se vive. Aqui nesta plateia todos envelheceremos bem. Mas não precisamos ir para a Índia para conhecermos a realidade triste de dezenas de milhões que envelhecem muito mal. Encontramos isso a cem metros deste prédio (no centro de São Paulo)”, afirmou.

Em vez de curar, CUIDAR!

Segundo Alexandre Kalache, nem mesmo os médicos estão preparados. “Estamos formando médicos e profissionais da saúde para o Século 20. Os estudantes aprendem tudo sobre gravidez e o desenvolvimento das crianças, quando temos cada vez menos crianças e mulheres grávidas. Não é só o geriatra que vai cuidar do velho, mas o cardiologista, o neurologista, o ortopedista. Sempre digo para meus alunos que, se acham que ao se especializarem, vão escapar dos idosos, não vão. Vão é fazer muita besteira porque não conhecem a evolução das doenças, a fisiologia, a interação de medicamentos. Em sua santa ignorância, vão matar muitos velhinhos”, disse. Mais do que curar, os jovens médicos devem aprender a cuidar, pois a maioria das doenças é crônica e só termina com a morte do paciente.

O alerta vale também para políticos, economistas, planejadores urbanos, arquitetos, jornalistas: “Todos precisam abrir os olhos para que a sociedade esteja mais preparada para a revolução da longevidade.”

Para o médico brasileiro, a ficha caiu quando ele foi morar em Londres nos anos 70 e se viu, ainda jovem, em uma sociedade envelhecida, mas ainda em grande parte inconsciente do problema. “Dois meses depois de chegar lá, li uma nota no jornal ‘Lancet’ que dizia que 80% dos geriatras do Reino Unido vinham de países do sul da Ásia, como Índia e Bangladesh. Alguma coisa estava errada, pensei. Então fiz uma pesquisa para entender o que influenciava a decisão de optar pela geriatria, por que alguns tinham satisfação com aquele trabalho e outros, não. O que discernia um grupo do outro era ter tido contato com os avós na infância, de preferência morando debaixo do mesmo teto. Essa característica, presente em diversos países do Oriente, era fundamental”, contou.

Kalache teve essa oportunidade. Aos 15 anos, sua avó Aurora ficou viúva e foi morar com a filha e os netos. Três anos depois, foi diagnosticada com câncer e o jovem Alexandre, que já sabia que seria médico, ajudou a mãe a cuidar dela. “Foi fantástico! Eu me libertei da quase certeza de me tornar mais um homem que não sabe cuidar. Cuidei dela de forma integral, não apenas dando comida na boca, insulina e morfina na fase final da vida, mas também a abraçando e tocando piano para ela. Cuidar de Aurora foi uma sorte imensa na aurora da minha vida”, contou.

“Sou um fenômeno”, brincou. “Quando nasci, fui programado para viver até os 43 anos, já tenho 70 e sigo ativo. Quando menino, me deram uma bola para chutar e uma pistola para atirar. Para minha irmã, deram uma boneca para cuidar. A perspectiva de gênero começa assim. Quem cuida? A mulher. Quem é cuidado? O homem. Quem necessita de mais cuidado? As mulheres que ficam viúvas e solitárias. Muitas vão viver com a filha e os netos e não têm direito nem de escolher o programa de TV. Vivem aterrorizadas.”

Quando o brasileiro foi para a Inglaterra, decidiu abraçar o estudo do envelhecimento em todas as suas dimensões. Tornou-se um gerontólogo. No Reino Unido, fez uma pesquisa com estudantes de medicina. Separou-os em grupos e, depois de submetê-los a um mês de estágio numa enfermaria de geriatria, verificou que saíam com uma atitude ainda mais negativa em relação à velhice. “Todos batiam na mesma tecla: ‘Somos jovens, viemos fazer medicina, queremos salvar vidas, usar a melhor tecnologia. De repente, somos obrigados a cuidar de pessoas anoréxicas, deprimidas, com diversos tipos de demência e patologias. Elas são surdas, não entendo o que falam. Não tenho contato com idosos na minha família, por que agora?’”, relatou.

Então ele colocou seus alunos para cuidar de grupos de seis idosos, em suas respectivas casas e não num hospital, durante os seis longos anos de duração da faculdade. “Aí eles desenvolveram uma relação com os pacientes. Quando algum morria, era um amigo que ia embora”, contou.

Bons e maus exemplos

Para Kalache, o Brasil não deve copiar políticas de países desenvolvidos como Dinamarca, Japão e Canadá, mas buscar seu próprio caminho: “Vamos ter de buscar soluções nossas, talvez trocando figurinhas com países similares, como África do Sul, México e Tailândia. Não adianta olhar para os países que enriqueceram antes de envelhecer.”

Segundo o especialista, a área da saúde no Brasil se espelha nos Estados Unidos, que não seriam um bom exemplo. “Nos EUA, se gasta muito com exames e remédios caros por causa da pressão do mercado. A prevenção é insuficiente e os indicadores de saúde, muito baixos. Só recentemente o presidente Obama criou um programa de saúde para atender os mais pobres, sob enorme resistência. É isso que queremos?”, perguntou.

Como os países mais desenvolvidos da Europa estão em patamares inatingíveis, o jeito é nos inspirarmos em nações de desenvolvimento mediano, com experiências mais próximas da nossa realidade. “Costa Rica e Cuba são bons exemplos porque privilegiam a atenção primária à saúde e a assistência integral e universal, a preços baixos, no lugar onde as pessoas vivem”, concluiu.

“Em primeiro lugar, vem o estímulo ao autocuidado e ao cuidado informal prestado pela família e os vizinhos. Em seguida, precisamos pagar profissionais de saúde para atender as pessoas em suas casas e nas comunidades. Só depois vem o atendimento mais institucional, em clínicas e hospitais. O que temos feito? Colocamos muito dinheiro no institucional, pouco no atendimento comunitário e praticamente nenhum recurso é destinado ao autocuidado e às famílias”, explicou.

Uma oportunidade para os idosos

Apesar de atualmente existir uma discriminação etária no mercado de trabalho (“Quem tiver o azar de perder emprego aos 40 está mal”), Alexandre Kalache acredita que, no médio prazo, a rápida diminuição da oferta de mão-de-obra forçará as empresas no Brasil e no mundo a reavaliarem suas políticas de recursos humanos. “Com a vertiginosa diminuição da fecundidade, um fenômeno global, elas vão começar a perceber o valor do capital humano mais experiente, que também costuma ter maior lealdade em relação ao local onde trabalha. Daí a importância de programas de educação continuada e reciclagem profissional”, afirmou.

Como exemplo do que já está acontece em países maduros como a Alemanha, ele citou uma experiência feita pela fabricante de carros BMW, que adequou as condições de trabalho em uma de suas fábricas às necessidades dos idosos. “Entre outras medidas, o material utilizado no chão da fábrica foi substituído para reduzir o impacto nas articulações dos empregados mais velhos. O resultado foi um ganho de 7% na produtividade em um ano”, contou.

“É possível e viável criar as condições para que as pessoas trabalhem até uma idade mais avançada. Basta ter líderes de visão”, disse.

Uma convenção internacional

Já ao final da palestra, Kalache pediu ao presidente Fernando Henrique Cardoso, presente ao evento, ajuda para a criação de uma Convenção Internacional dos Direitos dos Idosos. “Todos os outros grupos vulneráveis têm tratados que estabelecem seus direitos, menos aquele que mais cresce no mundo atualmente. Precisamos, presidente, de um campeão que defenda essa ideia porque há muita resistência por parte dos governos, mesmo nos países desenvolvidos”, disse. FHC prometeu levar a sugestão ao The Elders, grupo que reúne personalidades de destaque, em particular ex-líderes políticos , todos em idade avançada. Criado em 2007 por iniciativa do presidente sul-africano Nelson Mandela, o objetivo do The Elders é chamar a atenção para  grandes problemas mundiais e ajudar a mobilizar esforços para enfrentá-los.

Para quem quiser obter mais informações sobre as políticas adequadas para enfrentarmos a revolução da longevidade, o palestrante indicou a leitura do Marco Político do Envelhecimento Ativo, disponível no site http://ilcbrazil.org/. “Este documento começou a ser desenvolvido em 2002 pela OMS, acaba de passar por uma revisão pela ONU e será relançado no III Fórum Internacional da Longevidade, no Rio de Janeiro, em outubro (dias 21 e 22)”, disse.

“O desafio é imenso, mas sou otimista porque, à medida que a sociedade for envelhecendo, haverá maior intercâmbio entre os mais velhos e os mais jovens. As gerações mais experientes atuarão como mentores das seguintes, inspirando-as a aprofundar a cultura e a habilidade de cuidar. A este fenômeno, o psicólogo Erik Erikson deu o nome de ‘generatividade’”, afirmou.

“Considero-me um privilegiado por já fazer parte dessa luta”, concluiu o gerontólogo brasileiro.

Otávio Dias, jornalista, é especializado em política e assuntos internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do portal do Estadão e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.

Mais sobre Debates