“Xi Jinping é ao mesmo tempo moderno e conservador. Conservador porque defende o sistema e quer que ele seja mais eficiente. E moderno porque representa a chegada ao poder da geração nascida nos anos 50, que viveu todas as fases do regime e conheceu o mundo.”
Lanxin Xiang, professor, pesquisador e autor
De acordo com o palestrante, a corrupção institucional amplamente disseminada no PC chinês e nos diversos níveis de governo ameaçava corroer a legitimidade do próprio regime. “Desde o tempo de Confúcio (551 a.C - 479 a.C), é muito forte na China a ideia de que o governante precisa ter superioridade moral para liderar. Se entre os chineses se solidificasse a percepção de que o centro do poder tem se comportado de forma imoral, é provável que o regime mais cedo ou mais tarde perdesse legitimidade. Por isso, Xi Jinping resolveu enfrentar o problema tão logo assumiu o governo”, explicou Lanxin.
O segundo grande desafio do líder chinês é a transformação da economia chinesa, que enfrenta um problema estrutural: as exportações do país, que durante muitos anos garantiram taxas de crescimento do PIB próximas ou superiores a 10%, sofreram as consequências da crise econômica que, desde 2008, reduziu o crescimento da economia mundial e o comércio global. “O presidente Xi Jinping e o premiê Li Keqiang tomaram então a decisão de fazer a transição de uma economia baseada na exportação para uma economia baseada no consumo interno dos quase 1,4 bilhão de chineses”, disse Lanxin.
A China tem uma taxa de poupança de quase 50% do PIB, a mais alta do mundo.
“Como balancear a necessidade de manter um nível saudável de poupança doméstica e, ao mesmo tempo, liberar a enorme energia represada para estimular o consumo? É disso que a transição atual depende”, disse Lanxin. “Até o momento, o governo ainda não conseguiu obter grande avanço. Há muito trabalho pela frente.”
Nas últimas décadas, a China aproveitou os recursos gerados por suas altíssimas taxas de crescimento para fazer uma revolução na infraestrutura do país, construindo linhas de trem de alta velocidade, aeroportos internacionais, portos, estradas e grandes hidrelétricas, entre outros investimentos que transformaram o país.
Embora sustente que o projeto “One Belt & One Road” tenha objetivo pacífico, Lanxin admite que ele também foi pensado por Pequim como alternativa para o caso de, no futuro, ocorrer um conflito na região do Pacífico envolvendo China e EUA. “A ideia de construir uma conexão terrestre até a Europa está relacionada ao temor de que uma eventual guerra no Pacífico bloqueie rotas marítimas essenciais para a China”, disse Lanxin. Atualmente a China é altamente dependente do exterior em energia, alimentos e matérias primas em geral.
De acordo com Lanxin, as relações externas da China passaram por uma reviravolta quando da invasão do Iraque (2003). Na ocasião, EUA e Reino Unido se uniram em defesa de uma ação militar contra o ditador Saddam Hussein, acusado de possuir armas químicas (algo que não foi comprovado posteriormente). Rússia, China, França e Alemanha (os dois últimos principais membros da União Europeia) preferiam o caminho diplomático para convencê-lo a colaborar com as investigações conduzidas pela ONU.
6. Hillary Clinton ou Donald Trump?
Para Lanxin Xiang, o polêmico candidato republicano à Casa Branca é uma incógnita, mas diversos analistas chineses temem a eventual vitória da candidata democrata em 8 de novembro. “Quando Hillary Clinton era secretária de Estado (cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores), ela sempre se mostrou a favor de enviar mais navios militares e mísseis para a Ásia. Suas posições em relação à China são bem conhecidas”, contou.
“Não conhecemos Trump, mas, retórica à parte, no final das contas ele é um homem de negócios. Talvez seja mais pragmático na relação com a China”.
A China, que já está presente na África há muitas décadas, só começou a se interessar para valer pela América Latina mais para o final do século 20 e início do século 21. “Foi quando o presidente Jiang Zemin (que governou de 1993 a 2003) adotou a estratégia de ir até os países que produzem energia, alimentos e minérios (para assegurar o suprimento dessas matérias primas para a China). Naquela época descobrimos que a América Latina tinha um um nível educacional, um know how e uma infraestrutura que os países africanos em geral não tinham. Desde então, é impressionante a rapidez com que a China se envolveu em projetos na região”, explicou Lanxin.
Segundo Lanxin Xiang, existe atualmente uma pressão por reforma política na China, mas, ao mesmo tempo, o país mostrou nas últimas décadas que é possível manter o sistema e usar a autoridade estatal para lançar um programa de desenvolvimento sério e abrangente. “A abertura política deve ser resultado do sucesso econômico. Então pode ser que ela comece”, disse.
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Otávio Dias, jornalista, é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres, editor do site estadao.com.br e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.